Medicina

Vitória sobre o câncer

Perto de 85% dos casos de leucemia têm cura e o restante dos pacientes pode apresentar uma sobrevida aumentada em muitos anos com o tratamento adequado e pensamento positivo

vitoria-sobre-o-cancer+ihoc

A partir de uma simples dor de garganta descobri que estava com leucemia, mas em nenhum momento pensei no pior. Ao contrário, durante todo o tratamento acreditei na minha cura e que eu estava em boas mãos”, revela Daniela Tourinho Beraldi, de 26 anos, que ficou doente em 2001 e, hoje, está livre da doença. A simples menção da palavra leucemia já assusta. Esse medo vem do passado, pois era uma enfermidade quase sempre fatal. Dizer que alguém tinha leucemia era praticamente uma sentença de morte em um prazo bem curto. Esse pano-rama mudou muito. Para as leucemias agudas – de início abrupto e evolução rápida – e para as leucemias crônicas, de evolução mais lenta, muitas vezes assintomáticas e descobertas em exame de sangue de rotina, há métodos que permitem diagnóstico preciso e tratamento eficaz. Na verdade, o que chamamos de leucemia é um agrupamento de doenças diferentes entre si, que exigem tratamentos complexos e de alta diversidade. Felizmente, hoje, muitos casos de leucemia podem ser curados e, mesmo que não o sejam, a sobrevida dos pacientes pode ser aumentada em muitos anos com o tratamento.

O diagnóstico de Daniela foi leucemia linfoide aguda. De acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), de três a quatro pessoas em um universo de 100 mil desenvolvem anualmente a doença. Suas causas ainda não são totalmente conhecidas pela medicina. Ainda segundo o instituto, a leucemia é mais comum entre os adultos, embora também possa atingir crianças e adolescentes. “O diagnóstico é confirmado pelo exame da medula óssea, obtida por punção com agulha na cavidade de grandes ossos, como o esterno ou ossos da bacia”, relata o oncologista Valdir de Paula Furtado, do Instituto de Hematologia e Oncologia Curitiba (IHOC).

 

Sem desespero

“Fiquei internada dois meses, fiz quimioterapia, passei por um momento difícil em que estava cheia de aftas e com dificuldade de me alimentar. Depois voltei para casa, onde fiquei apenas um mês, precisando voltar ao hospital por mais 15 dias”, lembra  Daniela, que em nenhum momento entrou em desespero. Segundo a jovem, o apoio da família, dos amigos e manter a tranquilidade durante o tratamento ajudaram muito. “Sempre fui calma, minha mãe também. Isso contribuiu muito na minha cura, mas receber visita, todos os dias, de um médico sempre atencioso foi crucial para a minha recuperação”, salienta.

De acordo com o especialista, o tratamento tem o objetivo de destruir as células leucêmicas, para que a medula óssea volte a produzir células normais. O grande progresso para obter cura total da leucemia foi conseguido com a associação de medicamentos e quimioterapia, controle das complicações infecciosas e hemorrágicas e prevenção ou combate da doença no sistema nervoso central (cérebro e medula espinhal). Para alguns casos, é indicado o transplante de medula óssea. “O tratamento é feito em várias fases: a primeira tem a finalidade de atingir a remissão completa, ou seja, um estado de apa-rente normalidade que se obtém após a poliquimioterapia. Esse resultado é conseguido entre um e dois meses após o início do tratamento (fase de indução de remissão). Isso ocorre quando os exames de sangue e da medula óssea (remissão morfológica) e o exame físico (remissão clínica) não demonstram mais anormalidades”, explica Valdir Furtado.

 

“Cabelão” de volta

As pesquisas comprovam que ainda restam no organismo muitas células leucêmicas (doença residual), o que obriga a continuação do tratamento para não haver recaída. Nas etapas seguintes, o tratamento varia de acordo com o tipo de leucemia (linfoide ou mieloide), podendo durar mais de dois anos nas linfoides e menos de um ano nas mieloides. São três fases: consolidação (tratamento intensivo com substâncias não empregadas anteriormente); reindução (repetição dos medicamentos usados na fase de indução da remissão) e manutenção (o tratamento é mais brando e contínuo por vários meses). Por ser uma poliquimioterapia agressiva, pode ser necessária a internação do paciente nos casos de infecção, decorrente da queda dos glóbulos brancos normais pelo próprio tratamento. “Durante dois anos e meio tomei medicação e fiz repetidos exames de sangue. Além disso, cuidei muito para não pegar nem resfriado”, comenta Daniela, que se formou em Administração de Empresas e depois de curada morou três anos nos Estados Unidos. “A queda de cabelos foi uma das fases mais difíceis do tratamento, mas encomendei uma peruca quando ainda estava no hospital e depois meu ‘cabelão’ voltou”, comemora.

 

Entendendo a doença

A medula óssea é o local de formação das células sanguíneas e ocupa a cavidade dos ossos (principalmente esterno e bacia), conhecida popularmente por “tutano”. Nela são encontradas as células-mães ou precursoras, que originam os elementos do sangue: glóbulos brancos (leucócitos), glóbulos vermelhos (hemácias ou eritrócitos) e plaquetas. A leucemia é um tipo de câncer que afeta os glóbulos brancos e, na maioria das vezes, não se conhece sua origem. Entretanto, pesquisas revelam que as causas da doença têm relação com a exposição à radiação ionizante de produtos químicos e consumo de tabaco. A principal característica da leucemia aguda é o acúmulo de células jovens anormais na medula óssea, substituindo as células sanguineas saudáveis.

Principais sintomas

Os principais sintomas da leucemia decorrem do acúmulo de células “anormais” na medula óssea, prejudicando ou impedindo a produção dos glóbulos vermelhos (causando anemia), dos glóbu-los brancos (causando infecções) e das plaquetas (causando hemorragias). “No meu caso, tudo começou com uma dor de garganta comum. Tomei antibiótico e a dor passou, mas fiquei com gânglios no pescoço. Uma semana depois, minha visão ficou turva e consultei um oftalmo-logista; os exames não revelaram nada, então fui encaminhada a um clínico geral”, conta a administradora. Foi por meio do hemograma (primeiro exame a ser realizado) que surgiram as primeiras suspeitas de leucemia e a jovem teve a indicação de um especialista.

Depois de instalada, a doença progride rapidamente, exigindo, com isso, que o tratamento seja iniciado logo após o diagnóstico e a classificação da leucemia. De modo geral, os primeiros sinais da doença são fraqueza, palidez cutânea,  febre, equimoses ou sangramento nasal ou de gengivas. Dores ósseas e articulares podem ocorrer em crianças com leucemia linfoide aguda. Cefaleia, vômitos, sonolência e rigidez de nuca podem ser identificadas em pacientes cujas células leucêmicas al-cançaram o sistema nervoso central.

Direitos dos pacientes com câncer

Além do estresse psicológico da doença, existe uma série de providências práticas para realizar os tratamentos, cirurgias, quiomioterapias, exames de controle dos pacientes que se encontram com uma incapacidade física, temporária ou permanente, em decorrência da neoplasia. A lei brasileira faculta a todos os trabalhadores com Carteira de Trabalho assinada (a partir de 5/10/1988) que ti-verem um câncer diagnosticado, o direito de requerer o saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), bem como qualquer trabalhador que tenha um dependente nessas condições.

Outro direito é que o seguro do Sistema Financeiro da Habitação quita o financiamento da casa própria, proporcionalmente ao seguro mensal incluso. Andamento judiciário prioritário e saque das cotas de Plano de Integração Social (PIS) são outros direitos do paciente com câncer. Sob algumas restrições, ainda há direitos como isenção de imposto de renda na aposentadoria, renda mensal vitalícia  para deficientes, e isenção de imposto na compra de automóveis para quem teve câncer e tem deficiência nos membros.

 

Testes especiais para identificar a doença

O diagnóstico da leucemia exige também a realização de testes especiais para identificar qual é o tipo da doença. Para se ter uma ideia, só de leucemias mieloides agudas há sete tipos diferentes. O mielograma, que consiste na aspiração do líquido da medula óssea, permite a análise direta do local afetado para identificar o tipo de célula que o está invadindo dessa forma anormal, a ponto de impedir a fabricação dos outros elementos do sangue. Todavia, além das antigas colorações químicas chamadas citoquímicas, recorre-se hoje a teste de imunofenotipagem, exame bastante sofisticado que, utilizando anticorpos, ajuda a caracterizar moléculas existentes na superfície da célula leucêmica.

 

No transplante, a esperança

O transplante de medula óssea consiste na substituição de uma medula doente ou deficitária por células normais, com o objetivo de reconstituição de uma nova medula. Pode ser autogênico, quando a medula ou as células precursoras de medula óssea provêm do próprio indivíduo transplantado (receptor), ou alogênico, quando a medula ou as células provêm de um outro doador. O transplante pode ser feito ainda a partir de células precursoras de medula óssea obtidas do sangue circulante de um doador ou do sangue de cordão umbilical. É necessário em doenças do sangue como a anemia aplástica grave e em alguns tipos de leucemia, como a mieloide aguda, mieloide crônica e linfoide aguda. No mieloma múltiplo e linfomas, o transplante também pode estar indicado.

+ Saiba mais

Artigos Relacionados