Medicina

Soluções para o ceratocone

Controle da doença e melhora da acuidade visual dos pacientes dependem do correto diagnóstico e da indicação do tratamento adequado

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A pergunta mais comum feita pelo paciente com ceratocone é se a doença tem cura, principalmente quando o diagnóstico é recente. A cura total ainda não existe, mas há tratamentos que, se não curam, pelo menos amenizam ou corrigem a deficiência de visão. O uso de óculos ou lentes de contato, alternativas cirúrgicas e tratamentos menos invasivos, como o implante de anel intracorneano e o crosslinking de colágeno de córnea com riboflavina, são as alternativas para a melhora do paciente com ceratocone.

Desde os sete anos de idade, Joelma Lopes da Silva, hoje com 32 anos, apresentava deficiência visual, mas somente aos 19 descobriu que tinha ceratocone. “Tinha consultado profissionais despreparados a ponto de me colocarem no olho uma lente defeituosa”, conta. Joelma usou lentes por vários anos sem apresentar melhoras, até que, por indicação de amigos, submeteu-se a todos os exames necessários e teve a indicação da técnica do crosslinking para o olho esquerdo e de anel intracorneano para o olho direito. “O procedimento realizado no olho esquerdo parece ter beneficiado o direito, que já estava condenado ao transplante”, acrescenta. Joelma apresentou melhoras significativas em sua visão nos dois olhos e hoje comemora os resultados. “Posso ler sem chorar, sem sentir dor, posso fechar um olho e enxergar com o outro, enfim, sou feliz por enxergar”, acentua.

O transplante de córnea, que é um procedimento bastante invasivo, felizmente tem indicação para apenas cerca de 5% dos pacientes com ceratocone, pois a doença não evolui indefinidamente. Além disso, na última década observou-se um progresso muito grande nas possibilidades de tratamento das ectasias corneanas, em especial o ceratocone – doença degenerativa que apresenta um afinamento progressivo da parte central da córnea.

 

O que é ceratocone

A principal característica do ceratocone é o aumento irregular das curvaturas corneanas. A córnea assume uma forma de cone, o que provoca a percepção distorcida das imagens, com diminuição da visão, geralmente associada à miopia ou ao astigmatismo. O ceratocone atinge uma em cada duas mil pessoas, principalmente adultos jovens. De modo geral, inicia-se na puberdade e pode evoluir rapidamente. Em alguns casos, deixa espontaneamente de evoluir, mas quando progride compromete de forma intensa a capacidade visual, prejudicando a execução das tarefas diárias. Em casos muito graves, felizmente raros, pode ocorrer até mesmo a perfuração espontânea da córnea. “Por isso, é muito importante a realização de exames preventivos, especialmente quando o paciente apresenta mudanças de grau muito frequentes ou quando a visão não é satisfatoriamente corrigida com óculos”, alerta o oftalmologista Pedro Modesto Piccoli, do Hospital Barigüi de Oftalmologia.

 

Causas e diagnóstico

As causas do ceratocone podem estar relacionadas a mudanças físicas, bioquímicas e moleculares no tecido corneano. Acredita-se que a doença seja resultado de diferentes condições, podendo estar associada a doenças hereditárias, alérgicas e condições sistêmicas.

O diagnóstico definitivo é feito com base nas características clínicas do paciente e confirmado por meio da topografia corneana computadorizada, exame que mostra em imagem o formato preciso da córnea. De acordo com o oftalmologista, o ceratocone acomete os dois olhos de forma assimétrica e sua evolução é quase sempre progressiva, com aumento do astigmatismo irregular e deterioração da visão. A correção visual e os tratamentos indicados para conter a evolução da doença dependem da gravidade e das necessidades de cada paciente. “Os tratamentos indicados para melhorar a acuidade visual ou conter a evolução do ceratocone dependem do estágio da doença”, adverte Dr. Pedro Piccoli.

 

Alternativas

Casos brandos ou iniciais de ceratocone podem se beneficiar do uso de óculos ou lentes de contato. “As lentes podem também ser utilizadas após alguns procedimentos, como o crosslinking, o anel intracorneano ou o transplante de córnea”, explica a oftalmologista Fernanda Piccoli, que acaba de voltar de uma especialização em Córnea e Cirurgia Refrativa no Bascom Palmer Eye Institute, nos EUA, um dos maiores e mais renomados centros de oftalmologia do mundo. “À medida que a doença progride, a visão deixa de ser corrigida adequadamente, o que requer em alguns casos o uso de lentes rígidas para fornecer uma visão satisfatória”, complementa.

A novidade no tratamento do ceratocone é a técnica do crosslinking, combinação de radiação ultravioleta e riboflavina (vitamina B2) cujo objetivo é diminuir ou estabilizar a progressão do afinamento corneano. O mecanismo de atuação não é novo na área de saúde, pois o princípio biomecânico já tem sido usado com sucesso na ortopedia e na odontologia. O crosslinking cria novas ligações entre as moléculas de colágeno, produzindo um aumento da rigidez corneana em até três vezes, deixando-a mais resistente. Este procedimento já vem sendo utilizado na Europa há anos, com ótimos resultados. No Brasil, apesar de recente, já é reconhecido pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia e vem apresentando resultados muitos satisfatórios. “Vale frisar que existem limitações para a aplicação do crosslinking, como em pessoas com córneas muito finas ou muito deformadas”, alerta a oftalmologista.

Portadores de casos mais avançados de ceratocone, quando a adaptação de lentes de contato não é possível devido à acentuada irregularidade das curvaturas corneanas, podem se beneficiar do implante de anel intracorneano. “Mais conhecido no Brasil como anel de Ferrara, é um segmento de anel de acrílico que pode ser inserido entre as camadas da córnea para regularizar suas curvaturas e promover seu aplanamento, estabilizando o avanço do ceratocone, melhorando a acuidade visual e amenizando a gravidade da doença”, explica a especialista.

As duas técnicas podem ser associadas. No entanto, apresentam limitações e não são indicadas para todos os casos. Pacientes em estágio muito avançado, em que a córnea encontra-se muito fina ou apresenta opacificações centrais, acabam invariavelmente sendo submetidos ao transplante de córnea. “Apesar de ser um procedimento mais invasivo e exigir cuidados prolongados e recuperação lenta, os resultados a longo prazo são bastante satisfatórios”, enfatiza a Dra. Fernanda Piccoli.

 

Transplante de córnea deixou de ser um pesadelo

Embora ainda tenha indicação para um número menor de pessoas, se comparado aos outros métodos, o transplante de córnea pode significar a recuperação da visão. A professora Alessandra de Paula Pereira, de 32 anos, que há dez descobriu ter ceratocone, é um exemplo. “Embora tenha consultado vários oftalmologistas e usado lentes de contato, neste período a doença evoluiu rapidamente, a ponto de meu olho esquerdo atingir o estágio final”, conta.

A paciente ficou prejudicada em suas atividades diárias, pois as lentes de contato não fixavam mais no olho e ela sentia dor. “Não podia mais dirigir e até parei de trabalhar”, conta. Há dois anos, Alessandra fez o primeiro transplante de córnea no olho esquerdo e há um mês fez no olho direito, que também apresentou evolução rápida. “No começo fiquei assustada, mas foi muito tranquilo. Tive uma recuperação surpreendente e 15 dias depois da cirurgia já senti diferença na visão, quando geralmente isto demora de seis meses a um ano”, ressalta. De acordo com a professora, a recuperação da visão do olho esquerdo chegou a quase 100%, não fosse um pequeno grau de astigmatismo. “Estou radiante com o resultado e com a nova vida depois do transplante”, comemora.

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