Medicina

Na rota da cura

Considerado um cancer raro e agressivo, o mieloma múltiplo tem tratamento e pode ser controlado, garantindo bem estar e qualidade de vida aos pacientes

Você é uma pessoa adepta a atividade física, mantém uma alimentação controlada e saudável e tem uma vida movimentada. Mas, de repente, surge uma dor localizada, uma simples fratura, uma anemia pouco expressiva ou um problema renal. Por mais que se tenha cuidados com a saúde ao longo da vida, ninguém está livre de ser surpreendido com o diagnóstico de uma doença grave. Esses podem ser sinais de um tipo de câncer raro e agressivo, chamado mieloma, que se desenvolve na medula óssea e que acomete, principalmente, indivíduos na faixa dos 50, 60 e 70 anos.

O mieloma múltiplo representa 1% de todos os tipos de câncer, mas é o segundo mais comum na medula óssea. A ciência ainda desconhece as causas dessa doença de diagnóstico nem sempre claro, porém a boa notícia é que hoje a medicina possibilita recursos eficazes para a sobrevida e qualidade de vida dos pacientes. “Embora o mieloma seja uma doença maligna que destrói os ossos, ele pode ser tratado e controlado por um longo período e não deve ser encarado como uma doença fatal, em que o paciente terá poucas chances de vida, pois com novos medicamentos e com o transplante autogênico (autotransplante) de medula óssea, seu tratamento é extremamente eficaz”, afirma o oncologista Valdir de Paula Furtado, do Instituto de Hematologia e Oncologia Curitiba (IHOC).

Aos 68 anos, o engenheiro químico Christóvão Arthur Ahlers descobriu a doença já em um estágio avançado. Tudo começou com dores intensas nas costas das quais o engenheiro sofreu por meio ano achando que tinha algum problema de coluna. Embora tenha consultado especialistas e realizado exames de raio-X, somente uma biópsia na medula óssea revelou, em 2003, a doença. “Meu caso era tão grave que cheguei a quebrar três costelas ao espirrar”, lembra o paciente, que foi submetido ao autotransplante e hoje, sete anos após o diagnóstico, está recuperado e tem uma vida normal. “Nessa hora devemos acreditar em si mesmo, nos médicos, e ter fé em Deus. Já voltei até a praticar meu hobby predileto, que é andar de motocicleta”, comemora o engenheiro.

É importante ficar atento, pois uma dorzinha nas costas ou no joelho não é sinal de que a idade está chegando. Toda dor tem uma razão e é preciso tratar a causa.

 

 

Entendendo o mieloma

 

O mieloma múltiplo (assim chamado porque ocorre em várias regiões da medula óssea) é um tipo de câncer do sangue em que as células plasmáticas (plasmócitos) se multiplicam desordenadamente, na maioria das vezes, dentro da medula óssea (tecido esponjoso no interior dos ossos). Os plasmócitos são uma espécie de glóbulos brancos que fazem parte do sistema imunológico e produzem anticorpos que auxiliam o organismo no combate às infecções.

O mieloma não se apresenta na forma de tumores ou nódulos, suas células ficam espalhadas pela medula óssea. Os plasmócitos se multiplicam sem controle e começam a produzir em excesso uma proteína chamada imunoglobulina monoclonal que contribui na redução do crescimento das outras células normais da medula óssea, gerando a destruição dos ossos, alterações renais, imunológicas e circulatórias.

A multiplicação das células plasmáticas e o excesso de proteínas danificam as células vermelhas e brancas do sangue, o que leva, muitas vezes, o paciente a fadiga e a anemia. Além disso, o sistema imunológico pode ser afetado, tornando o paciente suscetível a infecções. Em muitos casos, ocorre ainda a diminuição no número de plaquetas (trombocitopenia), ocasionando sangramentos.

 

 

As vertentes da doença e seu diagnóstico

 

O mieloma múltiplo pode ou não apresentar sintomas. No estágio inicial da doença, eles não existem porque o nível de proteínas ainda se encontra baixo e não requer tratamento. O diagnóstico geralmente ocorre após a realização de exames relacionados a outras patologias. Isto significa que os sintomas só aparecem na medida em que a doença progride. Ela ocorre em diversos tipos e suas vertentes são classificadas pela proteína que é apresentada em excesso.

A diferença está no comportamento do câncer. O plasmócito secreta imunoglobulina inteira ou parte dela. As principais são IgG e IgA. O excesso de proteínas pode vir no sangue ou na urina, nesse caso é chamada proteína de Bence Jones. “Por essa razão, é importante a realização periódica de exames de sangue, pois quanto antes for feito o diagnóstico, maiores serão as chances de controlar a doença, que evolui rapidamente e pode ser fatal”, explica o oncologista.

Os exames que auxiliam na descoberta do mieloma múltiplo são: exames de sangue (hemograma completo e testes bioquímicos), de urina (análise de proteínas especiais), exame ósseo (radiografia, ressonância magnética, tomografia computadorizada, cintilografia e densitometria óssea). E biópsia da medula óssea com exame citológico e histopatológico.

 

 

Um tratamento eficiente

 

O tratamento dessa doença depende do estágio do câncer, se a pessoa é assintomática – que não apresenta ou não constitui sintoma – e do seu estado geral de saúde. Nos estágios iniciais, em que não há presença de sintomas, o médico recomenda um acompanhamento criterioso e, quando a doença se manifesta, utiliza medicamentos como a talidomida (sedativo e anti-inflamatório), o velcade (composto de bortezomibe, que causa um retardo no crescimento tumoral), além da dexametasona (medicamento pertencente à classe dos corticosteroides, atuando no controle da velocidade de síntese de proteínas). “Na maioria dos pacientes, a associação destes medicamentos apresenta excelentes resultados, melhorando a dor, a anemia e a função renal. Em 80% dos casos, a doença responde muito bem ao tratamento”, acentua o especialista.

Foi o que aconteceu com a advogada Ana Manso Sayão Comegno, de 48 anos, que após um pequeno sangramento no nariz descobriu a presença de um mieloma em estágio inicial. “Não sentia nada, tinha uma vida ativa e saudável e somente depois da terceira cauterização no nariz é que um hemograma mostrou a doença”, conta. A paciente iniciou o tratamento com a associação de medicamentos e dois anos depois realizou o autotransplante de medula óssea. “O tratamento não foi fácil, mas o importante é que hoje estou bem, sinto-me recuperada e procuro viver melhor do que vivia antes da doença”, comemora.

Basicamente, o mieloma é tratado com a quimioterapia e a radioterapia. Em situações mais graves, é necessário que o paciente se submeta ao transplante autogênico, ou autotransplante, quando as células-tronco do sangue provêm do próprio indivíduo transplantado (receptor). Este tipo de transplante consiste na substituição de células doentes por células normais de medula óssea, com o objetivo de reconstituição de uma nova medula, aumentando em longo prazo as chances de controle da doença. De modo geral, o transplante tem garantido aos pacientes pelo menos cinco anos sem a presença da doença.

 

 

Lutando contra o mal

 

Os pacientes com mieloma estão vivendo mais. Uma doença que antes poderia matar em dois meses, hoje já é possível que a pessoa conviva com ela por muitos anos. Um bom exemplo disso é o caso do engenheiro Christóvão, que há mais de sete anos convive com o câncer. Porém, mesmo depois das sessões de quimioterapia e do transplante, os pacientes com mieloma precisam de acompanhamento médico, para medir a evolução do quadro, e também para a administração de medicamentos.

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