Bem Estar

Fique atento com o desenvolvimento do seu filho

Nem toda criança que tem problemas de comportamento e aprendizagem necessita de medicação, mas a decisão cabe ao médico especializado

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Conhecer o desenvolvimento cognitivo de seu filho para estimulá-lo na hora certa é uma das tarefas mais importantes de qualquer pai ou mãe. Porém, estar atento às reações que os pequenos deveriam demonstrar em cada fase ou idade é ainda mais fundamental, uma vez que elas indicarão, ou não, a existência de algum distúrbio. O avanço da Neurociência, desde a década de 90, tem trazido descobertas e esclarecimentos que vêm modificando a forma e o conteúdo de muitos transtornos que afligem o comportamento humano, principalmente das crianças. Condições que antes pareciam ser resultado de ações do ambiente passaram a ser explicadas por evidências neurocientíficas, como as geradas por problemas biológicos.

Este é o caso do TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), hoje amplamente reconhecido como um distúrbio geneticamente determinado. Os cérebros destas crianças não funcionam da mesma forma que os das não afetadas, e as regiões normalmente recrutadas para funcionarem em atividades executivas não são ativadas. O pediatra e neuropediatra Dr. Clay Brites, vice-presidente da ABENEPI-PR e docente de neurologia na pós-graduação em psicopedagogia (UNIFIL) e de neuropsicologia (UNICAMP), explica que este transtorno pode ser observado dos três aos cinco anos de idade. “São crianças que precisam de estímulos, têm dificuldades para completar tarefas do dia a dia, são muito curiosas, com agitação do sono, brincadeiras destrutivas e atraso no desenvolvimento motor”.

A regra geral para que tudo em nossa vida funcione melhor e de forma recompensadora é detectar problemas precocemente e intervir cedo. Esta regra se ajusta perfeitamente à saúde mental e às dificuldades de aprendizado. “Uma criança que não se comporta normalmente para a sua idade e não consegue aprender como os demais, vai sofrer e se frustrar progressivamente, além de ver suas relações afetivas/sociais se deteriorarem. Além disso, o cérebro infantil é mais permeável a intervenções, podendo reduzir de forma significativa problemas de desenvolvimento ou comportamento a longo prazo, com ações em idades precoces”, alerta o especialista.

De acordo com a psicóloga e psicopedagoga Dra. Sabrina Jany Guetta Gelhorn, o TDAH é uma disfunção neurológica que dificulta a concentração por tempo prolongado. Ela enfatiza que quanto maior for o esforço para a criança se concentrar, pela cobrança dos pais, da escola e professores, maior será a dificuldade e pior será o rendimento. “A pressão emocional interfere tanto, que a atividade do córtex pré-frontal desliga, quando o certo seria ativá-la”, destaca Dra. Sabrina, que lida há 30 anos com crianças e pré-adolescentes que apresentam distúrbios de comportamento e baixo rendimento escolar.

Segundo os dois profissionais, essas crianças precisam de orientação e apoio, e o primeiro passo é um diagnóstico correto.

Dr. Clay afirma que o problema não é o ato de medicar as crianças, mas sim a falta de avaliação multidisciplinar daquelas que têm dificuldades de aprendizagem e/ou distúrbios de comportamento. “Nem toda criança que tem problemas de comportamento e aprendizagem necessita de medicação, pois a causa pode ser oriunda de distúrbios afetivos, sociais ou culturais”, enfatiza o médico.

“Muitas crianças apresentam sintomas passageiros e repentinos, às vezes ligados a fatores emocionais, como a perda de um ente querido, a separação dos pais ou uma mudança de ambiente, nova escola, nova cidade. Precisamos ficar muito atentos à forma correta do diagnóstico, pois atribuir apenas causas genéticas leva a tratamentos errados e a uma supermedicalização de crianças que, simplesmente, diferem de outras”, relata a psicóloga e psicopedagoga.

O impasse

Não existem políticas públicas efetivas para avaliar com qualidade e de forma multidisciplinar os distúrbios de aprendizagem. Nas escolas particulares há maior interação, mas a pressão dos pais e professores, aliada à falta de apoio e acompanhamento dos profissionais, tem levado a tratamentos equivocados e falhos, que tratam os sintomas, mas não resolvem ou melhoram as causas. “Existem crianças que precisam de medicação e de outras intervenções, mas ficam sem esta abordagem e, na grande maioria dos casos, acabam sendo inadvertidamente medicadas”, resume Clay.

Por que se fala tanto em medicação e quando ela é necessária?

A importância do diagnóstico é proporcionar o manejo correto e adequado dos problemas. “É através dele que teremos uma estratégia terapêutica: orientações do que fazer na sala de aula, orientações à família, indicar se precisa ou não de medicação, encaminhamentos para profissionais de psicologia, fonoaudiologia e psicopedagogos, recomendações de acessibilidade e inclusão”, ressalta o neuropediatra.

A medicação se faz necessária somente quando a criança tem um diagnóstico que justifique seu uso, e que esteja levando a prejuízos acentuados na aprendizagem e no relacionamento social e afetivo. A urgência e a gravidade também devem ser consideradas. “Ninguém deve introduzir uma medicação se a criança ainda tem sinais clínicos inconclusivos, incipientes e sem a menor intervenção prévia no seu ambiente. A medicina que lida com comportamentos (neurologia e psiquiatria) está perfeitamente ciente da supermedicalização que pode existir e somos totalmente contra. O que acontece é que a avaliação e a intervenção multidisciplinares (essenciais e indicadas para estes casos), que fariam este trabalho preliminar junto aos professores, são escassas e nossa sociedade não dispõe destes recursos nas escolas públicas e nas secretarias de Educação de forma abrangente e competente o suficiente, empurrando a família, que está preocupada com seu filho, a procurar uma ajuda mais rápida e acessível: a medicação”, esclarece Dr. Clay.

Existem várias evidências científicas e neurocientíficas acerca do uso de medicações nos transtornos psiquiátricos (como o TDAH, transtornos de ansiedade, depressão, transtorno bipolar, etc.), em sua maioria mostrando eficácia e melhorando de forma significativa o controle de comportamentos destrutivos e da aprendizagem escolar das crianças. O neuropediatra alerta que o uso de medicações sem indicação e prescrição médicas é temerário e pode acarretar sérias consequências físicas e emocionais. “Sei que existem muitas pessoas que usam medicamentos como a Ritalina para fazer provas, passar em concursos, melhorar a performance no trabalho, como se fosse um ‘tônico cerebral’. Mas isso é inaceitável pela comunidade neurocientífica”, diz o especialista.

Sabrina afirma que nem toda criança necessita de medicação e que as causas também envolvem fatores genéticos e ambientais. “O tratamento ideal integra, simultaneamente, a intervenção sobre a base orgânica, que é a medicação, aliada ao tratamento comportamental, com terapia cognitiva e atividades psicopedagógicas. É necessária sempre uma reavaliação periódica para haver adaptações nas terapias,  e o médico deve readaptar as dosagens do medicamento ou até mesmo retirá-lo totalmente”, explica a psicóloga.

Entenda o TDAH

Vários grupos multicêntricos e associações nacionais e internacionais trabalham com pesquisas isentas que já demonstraram que o TDAH é resultado de uma mescla de deficiência de neurotransmissores, interconectividade anormal entre regiões cerebrais responsáveis pela atenção e regulação cognitivo-afetiva e associação com problemas ambientais como prematuridade, baixo peso ao nascer e tabagismo materno. Estes aspectos fisiopatológicos estão comprovados e fazem com que a comunidade médica especializada conclua, naturalmente, que a utilização de medicações para estes casos seja inquestionável. As pesquisas também são consensuais no que tange à eficácia da medicação no alívio dos sintomas com toda a segurança possível.

Desde 2003, vários trabalhos com confiança estatística vêm mostrando que o risco de dependência psicológica e química com o uso destes medicamentos é desprezível em crianças e adolescentes. Além disso, eles reduzem os riscos de insucesso escolar, melhoram a performance de leitura e escrita, permitem ganho de autonomia e estabilizam o humor daqueles que não toleram regras e rotinas necessárias para o cumprimento de tarefas no cotidiano.

Dra. Sabrina reforça a importância da intervenção psicoterápica e psicopedagógica. “É preciso dedicarmos tempo a nossos filhos, pois com esse trabalho teremos adultos sadios, normais, felizes e capazes de ter uma vida sem sequelas”.

A escola também tem papel fundamental

Durante a fase infantil, o apoio da escola também é imprescindível e deve ser dividido em várias frentes: a) informação e atualização dos professores (que muitas vezes desconhecem estes transtornos); b) acesso e diálogo com as equipes multidisciplinares e com a família da criança; c) ajustar didaticamente suas aulas para que estas otimizem a transmissão do conteúdo; d) aplicar avaliações que sejam proporcionais às dificuldades encontradas.

De acordo com Dr. Clay, é possível diminuir significativamente os efeitos do comportamento hiperativo no ambiente em que a criança frequenta, mas a chance de cura ainda é pequena. “O tratamento multidisciplinar reduz de forma considerável os prejuízos decorrentes deste comportamento, como desajustes familiares e sociais, repetência e evasão escolar, envolvimento com más companhias e com drogas lícitas ou ilícitas. Porém, todos estes transtornos demandam acompanhamento de longo prazo. Por isto, são difíceis de empreender numa sociedade que não se preocupa e desvaloriza a abordagem destes transtornos. As crianças com TDAH, dislexia,  transtornos neuropsiquiátricos, ainda não são protegidas por um programa ou estratégia de política pública. Tampouco nossa lei pontua efetivamente ações obrigatórias ou garante direitos claramente. A discussão sobre medicar ou não parece-me um problema muito menor em comparação com o que estas crianças realmente merecem e precisam: a atenção de toda a sociedade para que o seu tratamento seja reconhecido como necessário e acessível”.

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