Avanços da Medicina

Viva o calor sem medo de ser feliz

Quando o suor deixa de ser apenas um problema e se torna uma disfunção social

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Para a maioria das pessoas, o verão é sinônimo de alegria, prazer e diversão. Já para outros, é sinal de desconforto e constrangimento. Em vez de sonhar com a praia, eles ficam ainda mais desanimados. Para quem sofre com o suor excessivo, conhecido como hiper-hidrose, a chegada desta estação é, na verdade, um pesadelo.

A hiper-hidrose é um problema que atinge cerca de 2% da população mundial. Trata-se de uma disfunção do sistema nervoso autônomo simpático que afeta a autoestima, a vida social e também o trabalho de milhares de pessoas. O problema aparece com mais frequência nas mãos, pés, axilas e região craniofacial. Embora existam diversos tratamentos paliativos, como o uso de cremes, a toxina botulínica tipo A e até alguns medicamentos, o tratamento definitivo só é conseguido por meio da simpatectomia – uma cirurgia, feita por vídeo, que desativa o gânglio responsável pela comunicação entre o sistema nervoso autônomo e as glândulas causadoras do suor. “É um procedimento rápido e seguro”, explica o cirurgião torácico e professor Dr. Paulo Boscardim, que atua com a técnica há 14 anos e já operou aproximadamente 2.500 pacientes.

O tratamento devolve ou melhora muito a qualidade de vida das pessoas. “Em média, a intervenção dura 15 minutos e, na maior parte dos casos, resolve com sucesso o suor excessivo na face, cabeça, axilas e nas mãos”, explica o especialista. Cerca de 60% dos pacientes que apresentam essa disfunção também têm a hiper-hidrose plantar, que é o suor excessivo nos pés.  “A cirurgia torácica ameniza o problema do suor dos pés em 30% dos casos. A técnica trata ainda o odor das axilas e o rubor facial, ou seja, a vermelhidão no rosto”, acrescenta.

Resultados surpreendentes

Além do desconforto de se sentir molhada e por vezes com odor forte, a pessoa passa a ter receio de cumprimentar os outros, de dar um abraço, fica incomodada com a marca de suor nas roupas, tem necessidade de trocar as peças várias vezes ao dia. Quando trabalha com o público, a sensação de mal-estar e de constrangimento aumenta. A hiper-hidrose afeta crianças, adolescentes e adultos de ambos os sexos, gerando transtornos pessoais e no relacionamento social.

Foi o caso da bancária Eliane do Rocio de Oliveira, de 47 anos, que desde a adolescência sofria com o problema. “O suor em minhas mãos e axilas era tão constrangedor que sempre usei roupa preta para disfarçar as manchas embaixo dos braços, evitava cumprimentar ou abraçar as pessoas, ficava com os braços abaixados… Cheguei ao cúmulo de colocar absorvente nas axilas e ficar segurando para ver se assim o suor era melhor absorvido”, conta a paciente.

Embora tenha tentado usar todos os tipos de desodorante existentes no mercado, desde sprays, cremes, pastas e afins, e também tenha tentado tratamentos alternativos, como a acupuntura, a bancária só encontrou a solução com a cirurgia. “Não existe desodorante que resolva o problema e todos que prometem milagre fazem propaganda enganosa. A única coisa que resolveu minha hiper-hidrose foi a cirurgia, que já fiz há alguns anos e com a qual estou supersatisfeita. Desde então, só uso roupas claras, posso cumprimentar e abraçar as pessoas sem constrangimento, trabalhar sossegada e até pratico esporte sem incômodo algum. Ganhei qualidade de vida, minha autoestima cresceu; foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida”, comemora a bancária, cuja filha de 13 anos também apresentava os mesmos sintomas.

O problema de Heloisa Oliveira Pereira, filha de Eliane, começou quando ela tinha apenas sete anos. “Mesmo em dias não muito quentes, eu suava muito nas mãos e axilas. Só podia usar roupa preta e branca para não aparecer marca nenhuma, evitava manga curta, era muito suor. Fiz a cirurgia, não senti nenhuma dor e agora estou 100% livre. Já uso qualquer tipo de roupa e me sinto muito mais segura”, conta a adolescente. Enfim, mãe e filha estão livres deste desconforto.

Entendendo o procedimento

A cirurgia para hiper-hidrose consiste na secção ou clipagem do nervo que estimula o suor. O cirurgião realiza duas incisões de cerca de meio centímetro na região das axilas, por onde introduz uma ótica com a função de transmitir as imagens ampliadas. Dessa forma, é possível intervir com mais precisão e rapidez, sendo que a intervenção requer de três a sete minutos para cada lado do corpo e deixa uma cicatriz mínima. “Os pacientes podem ter alta no mesmo dia”, explica o médico, embora prefira liberá-los na manhã do dia seguinte.  O resultado é percebido imediatamente. “Já no centro cirúrgico o paciente passa a não suar e, em dois ou três dias, retorna ao trabalho ou à escola. Após três semanas, pode praticar exercícios físicos”, acentua Dr. Paulo Boscardim.

Não existe um exame específico que determine se uma pessoa sofre ou não da doença. “Fazemos uma avaliação subjetiva e clínica, para avaliar a indicação cirúrgica. Principalmente, levamos em conta o histórico do paciente, aquilo que ele nos revela. Hoje realizamos uma média de seis cirurgias por semana”, diz Dr. Boscardim. Segundo ele, é importante ressaltar que não são os familiares, nem mesmo o médico, quem decide pela cirurgia, e sim o próprio paciente. “Cada um deve analisar o grau de incômodo que o suor em excesso causa na sua vida”, completa o especialista.

De acordo com o médico, algumas pessoas apresentam a hiper-hidrose secundária a outras doenças, como obesidade, menopausa, distúrbios da tireoide e distúrbios psiquiátricos. Nesses casos, o tratamento da doença primária faz com que o problema desapareça. “Atualmente, 50% dos pacientes, em média, já respondem bem ao tratamento clínico, realizado com uma medicação via oral (anticolinérgico) ingerida duas vezes ao dia. Porém, ainda não sabemos avaliar por quanto tempo o paciente necessitará da medicação e se será uma solução definitiva da hiper-hidrose, como o tratamento cirúrgico”, enfatiza.

A hiper-hidrose reflexa ou compensatória é o efeito colateral mais comum da cirurgia, apesar de ser raro. A pessoa  para de suar onde tanto a incomodava e passa a suar em outros locais do corpo. Os  fatores que  aumentam a probabilidade da compensação grave se manifestar são IMC (índice de massa corpórea) maior que 28, pessoas que já suam muito em diversas partes do corpo e pessoas que apresentam a hiper-hidrose craniofacial. “Com uma seleção rigorosa dos pacientes, conseguimos diminuir consideravelmente a incidência da hiper-hidrose reflexa grave. A cura do problema se aproxima de 100%”, conclui Dr. Boscardim.

Lições aprendidas

  • Cada paciente portador de hiper-hidrose deve ser tratado individualmente, porque existem alterações emocionais que fazem com que a doença se exacerbe.
  • Os pacientes devem tentar o tratamento clínico antes de serem encaminhados para a cirurgia.
  • O cirurgião precisa ter conhecimento do que os pacientes realmente esperam da cirurgia.
  • O nível de abordagem da cadeia simpática deve ser único (um gânglio por vez) e correspondente à região afetada pelo suor.
  • Todos os pacientes devem estar plenamente convencidos, pois somente eles devem decidir pela cirurgia.
  • Quanto mais cientes sobre o procedimento cirúrgico, menores serão as chances de os pacientes apresentarem frustrações pós-cirurgia.
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