Fonoaudiologia

Um mundo sem som, mas…

Você já prestou a atenção no barulho da chuva? E no canto dos pássaros? Na risada da pessoa amada? E se de repente você não pudesse ouvir nada disso? E se de repente você simplesmente parasse de ouvir?

Simplesmente fui dormir ouvindo e acordei totalmente surda. Lembro que costumava acordar ouvindo sons de uma avenida movimentada. Naquele 06/02/97 eu acordei sem ouvir nenhum som característico, nem tampouco consegui ouvir os sons que eu mesma produzia (como falar, bater palmas e portas). Até os 12 anos tinha audição normal”, conta Bruna Backs Schultz, hoje com 31 anos, analista judiciária. Ela fala que até hoje não existe uma explicação final para sua surdez e relata que inicialmente, após a realização de todos exames possíveis, se abriu a hipótese de surdez psicológica. “Por isso, no meu primeiro ano como surda não contei com auxílios de aparelho nem de ajuda para praticar a leitura labial”. As perdas congênitas por malformação do ouvido externo, médio ou interno; doenças genéticas, infecciosas ou inflamatórias na gravidez – como rubéola, toxoplasmose, citomegalovírus, dentre outras – e doenças perinatais – em prematuros ou que apresentam parto complicado – são situações mais comuns, que podem levar à perda auditiva. As não congênitas levam à otosclerose, a doenças autoimunes, ao trauma craniano, a medicamentos ototóxicos”, explica Dr. Maurício Buschle, médico otorrinolaringologista do Hospital Iguaçu.

Para o especialista, não é só em casos como o da Bruna que existe a dificuldade no tratamento. Ele alerta que isso ocorre principalmente quando se trata de bebês ou crianças menores. “A reação inicial é de não aceitar o problema, de incredulidade e principalmente ter o diagnóstico da causa para tentar resolver com uma mediação ou mesmo para tirar uma sensação de culpa”, afirma o médico. “Antes do advento do teste da orelhinha obrigatório, os pais só percebiam o problema em torno dos 3 anos de idade e perdiam um tempo precioso na reabilitação”, evidencia o médico.

A adolescência de Bruna não foi muito fácil: “No colégio, era complicado demais acompanhar as aulas e, por isso, focava muito mais na leitura de livros que explicassem as matérias, pois a explicação em aula perdia quase toda. A sensação de isolamento era inevitável”. Fazer novos amigos se tornou uma dificuldade, Bruna precisava pedir que repetissem o que haviam falado e nem todos tinham paciência. Um programa simples como falar ao telefone ou assistir à televisão já não era tão simples assim: “Minha avó tentava me ajudar nisso e, durante os comerciais, fazia um compacto do que estava acontecendo, para eu acompanhar”. E, conforme Bruna, “até hoje uma pessoa surda ainda não consegue, por exemplo, cancelar ou desbloquear cartão de crédito/débito que são serviços prestados por meio de ligação telefônica e nem sempre são adaptados”.

“Não posso dizer que a surdez tenha minado toda a minha felicidade. Fiz meus melhores amigos, colégio, a faculdade de Direito e uma pós-graduação nessa fase da minha vida. Frequentei festas e admito que dançava muito, seguindo a vibração da pista de dança sob os meus pés. E conheci meu marido antes de fazer a cirurgia para a surdez, o implante”, confessa Bruna. “Durante o tempo que permaneci sem ouvir, um sonho que eu sempre tive era o de poder ouvir as pessoas que passaram a fazer parte da minha vida após a surdez. Eu pensava: ‘Meu Deus, são pessoas tão importantes para mim, eu imaginava a voz delas, mas não tinha esperança de realmente saber como eram’!”, acrescenta a analista judiciária. “Em uma ocasião em especial, tentei lembrar o barulho de chuva caindo e de uma torneira aberta. Ocorre que esse som simplesmente tinha se apagado da minha memória. Senti muita angústia por ter um vácuo no lugar de uma lembrança que, para todo mundo, é tão banal. Ninguém presta atenção no som de água. Mas faz falta quando você perde”.

Buscando soluções e opções

Hoje em dia, quando uma pessoa procura tratamento para alguma deficiência auditiva, encontra várias opções. “Tudo depende do tipo do problema auditivo. Na presbiacusia (diminuição auditiva relacionada ao envelhecimento) normalmente são oferecidos aparelhos auditivos individuais de marcas especializadas, e o paciente precisa de um período de adaptação após os ajustes, que são de acordo com a perda e com o estilo de vida. Pode se beneficiar também com a reabilitação feita com ajuda de um fonoaudiólogo. Os aparelhos diminuem as perdas, mas não resolvem completamente o problema. Hoje existem soluções e opções para a grande maioria dos casos, como aparelhos com tecnologia de condução óssea, ancorados na cabeça, à prova de água; e para perdas severas ou profundas, com baixo nível de discriminação ou percepção de sentenças, é indicado o implante coclear”, explica Dr. Maurício.

Nesse caso, quanto mais cedo for feito o procedimento mais benefícios pode trazer ao paciente, principalmente nas crianças que nascem surdas. E é aí que os pais precisam agir. “Claro que ninguém quer submeter o filho a uma cirurgia. Normalmente desejam esperar algo acontecer, que tenha uma solução menos traumática”, conta o otorrinolaringologista. Para Bruna, apesar de adulta, a decisão também não foi fácil: “Foi difícil justamente por ser uma coisa que eu almejava muito. Quando descobri que minha surdez existia de fato, a primeira coisa que veio à cabeça é do ‘nunca mais’. Nunca mais você vai ouvir, nunca mais vai levar a vida como levava…”, desabafa. “Apesar da dúvida, eu me dei conta de que, se eu não tentasse, jamais iria conseguir. Essa era realmente a última alternativa. Eu sabia que a cirurgia podia não dar certo. Ou que talvez eu não conseguisse a discriminação da fala. Que talvez o implante coclear não me abonasse de depender da leitura labial para sempre. Mas o desejo de poder escutar alguma coisa, nem que fosse só mais uma vez na vida, era muito forte”, ressalta.

Doutor Buschle ainda explica outros procedimentos que podem dar ao paciente um ganho auditivo: “Para aqueles que têm perdas sensoriais, pode ser indicado o aparelho implantável, o totalmente implantável ou o parcialmente implantável; tudo depende da necessidade. Em alguns casos, as pessoas não podem usar os aparelhos convencionais por infecções ou alergias do conduto auditivo”. Se o problema é a perda de condução sonora, é indicada inicialmente a reconstrução do tímpano, a cadeia ossicular ou o conduto auditivo. O otorrino revela que os problemas são, na maioria, causados por otites crônicas ou doenças degenerativas do sistema condutivo, e são usadas as próteses de reconstrução de titânio mimetizando o martelo, bigorna e estribo. “Alguns desses pacientes, além de terem o problema condutivo, têm uma leve perda sensorial ou já se submeteram a alguma cirurgia de reconstrução sem sucesso. Ou mesmo em casos identificados após o nascimento já são indicados aparelhos ancorados ao osso que restabelecem a audição.

Adaptação e apoio

Qualquer que seja o procedimento escolhido ou indicado, existe um processo de adaptação que pode levar dias, meses e até anos, no caso do implante coclear. “Muita gente pensa que após a cirurgia já saímos ouvindo e entendendo tudo. Isso não ocorre. Há primeiro a fase da ativação, em que o implante é ajustado ao um limite de volume confortável para você ir se acostumando. O som sai baixo e é bem diferente, muitas vezes confuso e robótico. Depois é que são feitos os mapeamentos e ajustes finos, em que o som vai se aproximando do real”, descreve Bruna. “O implante coclear é ligado em 30 dias como os outros equipamentos, mas ele precisa ser regulado a cada 2-3 meses no primeiro ano, 4-6 meses no segundo ano e a cada seis meses no terceiro ano. Pacientes com surdez pós-lingual encurtam bastante esse processo”, esclarece o especialista.

Um fator que pode contribuir para o sucesso ou não de um procedimento é o tempo. A demora no início do tratamento leva à impossibilidade de sucesso absoluto. Por isso se faz importante, muitas vezes, buscar a opinião de mais de um especialista. “Dúvidas dos pais ou do paciente fazem com que se perca tempo em tratamentos”, alerta Dr. Maurício. Para facilitar, a família deve apoiar sempre: “Tive apoio incondicional de todos, principalmente do meu avô, da minha mãe, da minha irmã e de amigos mais chegados. Até minha avó, que faleceu antes de eu optar pela cirurgia, torcia muito para que desse certo. Eu sou muito grata em especial ao meu marido, que me acompanhou desde o princípio da etapa. Ele me inspirou coragem e me instigou a seguir essa vontade de operar!”, emociona-se Bruna.

“Hoje me sinto mais segura, mais desenvolta. Mais corajosa. Quando perdi a audição me tornei uma pessoa muito tímida, retraída. Ser surdo não é algo fácil. No meu caso, sentia muita saudade de ouvir. Você pode escolher perder a audição e ficar se lamentando ou seguir em frente, aprender outra forma de viver e fazer tudo da melhor maneira possível. É importante saber que o implante coclear pode dar certo ou não, vai depender de diversas coisas, inclusive do que você espera dele. Se você tem a vontade de ouvir, vá em frente. Tudo vale a pena. Para quem nada tem, tudo é uma vitória. Basta se dar uma chance!”, comemora Bruna. “Agora estou ansiosa para fazer a operação no outro ouvido e assim poder ouvir dos dois lados. Sou eternamente grata a todos que de algum modo me acompanharam nessa trajetória”, conclui.

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