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Obesidade mórbida

Desde a década de 70 a proporção de brasileiros com sobrepeso só vem aumentando, tornando-se hoje um dos maiores problemas de saúde pública, superando até mesmo o índice de pessoas que passam fome. Isso é o que revela uma pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 27 de agosto de 2010,  constatando que 49% dos brasileiros estão acima do peso e que 14,8% desses são obesos.

O maior problema está nas consequências que esses números representam, pois a obesidade, longe de ser apenas uma questão estética, é uma doença grave e que geralmente está acompanhada das chamadas comorbidades ou comorbidezes (doenças que dificultam e que muitas vezes encurtam a vida do obeso). Entre elas, as mais comuns são: hipertensão arterial, diabetes tipo 2, dislipidemia (que é a taxa alta de gordura no sangue), doenças articulares, apneia do sono, além de depressão e isolamento social.

“Seja qual for o grau de obesidade, a expectativa e a qualidade de vida são afetadas, justamente pela maior prevalência dessas doenças associadas, que geralmente são controladas com a perda de peso”, comenta o Dr. Paulo Nassif, cirurgião do aparelho digestivo e chefe do serviço de obesidade do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba. “Isso ainda é mais sério se o paciente continuar obeso por tempo prolongado”, acrescenta a endocrinologista Eliane Cardon da Costa, que concedeu uma entrevista especial sobre o assunto à Revista Corpore.

Por conhecer os riscos que corria ao pesar 130 quilos, é que a analista de recursos humanos Gabriela Perucini, de 37 anos, fez de tudo o que pôde para emagrecer. Foram tantas as tentativas com dietas, remédios e programas alimentares que ninguém mais acreditava que ela voltaria ao seu peso ideal. Gabriela conta que chegou a comprar inúmeras revistas que anunciavam milagres conquistados com dietas malucas e que não resultavam mais do que em uma semana de fome ou até em uma dor de barriga, por serem absurdamente restritivas.

Mesmo sendo jovem, sua saúde já estava prejudicada, as articulações dos tornozelos inchavam e doíam muito, a tão temida gordura no fígado, chamada de esteatose hepática que pode evoluir para um câncer, já alcançava um nível assustador, além de uma hérnia de hiato recorrente e da apneia que lhe trazia distúrbios do sono. Porém, Gabriela sabia que se sua vida não mudasse radicalmente isso não pararia por aí, em breve outros problemas surgiriam. “Todo mundo sabe quais são os malefícios que a obesidade traz à saúde, e é claro que isso me deixava assustada. Meu maior medo era o de morrer, afinal meus filhos ainda são pequenos. Mas tinha certeza que do jeito que eu estava não iria passar dos 40 anos”, lembra a analista.

A situação emocional também era algo muito preocupante, pois sua autoestima estava extremamente abalada. “O pior dia da minha vida foi quando eu ouvi de meu filho de 2 anos que eu era feia e muito gorda”, conta Gabriela, que na época só usava roupas largas, escuras e já não tinha mais nenhum tipo de cuidado com a aparência.

Após todas essas tentativas frustradas de perda de peso, Gabriela foi recomendada a fazer a cirurgia bariátrica, um tratamento cirúrgico indicado a pacientes obesos com índice de massa corporal acima de 40 ou de 35 e com presença de doenças associadas. Depois de ter realizado todos os exames necessários e avaliações com os diversos profissionais de saúde, a analista foi submetida à cirurgia.

E quase dois anos depois, a história de Gabriela já é bem diferente. Hoje ela tem 70 kg, saúde excelente, um casamento que só teve a ganhar, se tornou uma mulher muito mais realizada e disposta, é  vista como alguém corajosa que sabe enfrentar as dificuldades e os fantasmas que a vida lhe apresenta, e o melhor de tudo, tem ânimo de sobra para acompanhar a vida agitada de seus dois filhos. “Morrer nem passa mais pela minha cabeça, quero mesmo é aproveitar a vida e ser muito feliz”, afirma sorridente.

Dr. Paulo explica que a cirurgia bariátrica já tem sido realizada há alguns anos com sucesso no tratamento da obesidade mórbida. “Ela tem como principal resultado uma acentuada e duradoura perda de peso, reduzindo as taxas de mortalidade e resolvendo, ou minimizando, uma série de doenças associadas à obesidade grave”, esclarece o doutor.No entanto, como os casos de obesidade são cada dia mais comuns no Brasil, a demanda na saúde pública é muito maior do que o número de cirurgias que os hospitais podem realizar.

A boa notícia é que desde maio de 2010, o Hospital Universitário Evangélico de Curitiba está credenciado pelo Ministério da Saúde para realizar pelo SUS o atendimento a pacientes portadores de obesidade severa, indicados à cirurgia bariátrica. O Ambulatório de obesidade do Evangélico atende cerca de 32 consultas ao mês, com possível realização de quatro cirurgias mensais. Porém, é importante ressaltar que essas consultas são agendadas somente via Unidades de Saúde e Regionais de Saúde doEstado.

Confira a seguir, a entrevista com a endocrinologista Eliane Cardon da Costa sobre os danos que a obesidade pode causar com o passar do tempo.

Pacientes que sofrem de obesidade e apresentam doenças associadas são orientados a procurar por tratamento com urgência. Por quê?

Dra. Eliane – Essas doenças associadas à obesidade são traduzidas pelo nome de comorbidades, ou seja, doenças com grande potencial de morbidade e, portanto, passíveis de complicações que aumentam muito o risco cardíaco. Por isso, a urgência do tratamento.

 

Uma pessoa que é obesa severa por um longo período da sua vida tem maiores complicações em sua saúde?

A obesidade aumenta muito o risco de desenvolvimento dessas doenças, como diabetes tipo 2, hipertensão, dislipidemia, e também de outras até mais graves como infarto do miocárdio e alguns tipos de câncer. Se o indivíduo além de obeso tiver genética favorável, poderá desenvolvê-las muito precocemente em sua vida. Como essas alterações metabólicas da glicose, colesterol e da pressão causam danos ao organismo todo, quanto mais tempo esse indivíduo ficar exposto a essas alterações, maiores serão os danos à saúde e suas consequências. No caso do diabetes, existe um conceito chamado “memória metabólica” ou “legado da glicose”, em que quanto mais tempo o paciente permanecer com a glicose alterada, ocorrem danos moleculares irreversíveis, que perpetuarão a lesão iniciada, mesmo após a correção dos níveis de glicose no sangue.

 

Pacientes obesos e diabéticos do tipo 2 que já fazem uso de insulina por tempo prolongado, ao serem operados e emagrecer poderão deixar de usar a insulina? 

Isso depende do tempo que esse paciente tem o diabetes mellitus e em que fase da doença ele foi insulinizado. Quanto mais precoce, melhor, pois há maior chance de haver reserva de células pancreáticas produtoras de insulina. Existem exames que podem determinar isso no pré-operatório. Contudo, é bom lembrar que a cirurgia geralmente leva à resolução do diabetes, porém não cura completamente. Se o paciente voltar a ganhar peso, o diabetes também voltará.

 

No caso de pacientes jovens obesos que ainda não desenvolveram doenças como hipertensão, dislipidemia e diabetes, é possível afirmar que eles desenvolverão essas doenças se não houver emagrecimento? 

É provável que desenvolvam sim, porém a genética e o estilo de vida desses pacientes têm grande influência no aparecimento dessas doenças. Desse modo, os obesos com propensão genética irão desenvolvê-las precocemente. Os outros podem levar mais tempo, mas certamente algum tipo de complicação ocorrerá.

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