Medicina

Neuromodulação

Conheça a nova técnica que estimula nosso cérebro e saiba como ela pode ajudar você

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Hipócrates, o pai da medicina, já dizia que o cérebro é o órgão mais importante do ser humano. É ele que nos possibilita pensar, ver, ouvir, distinguir o feio do belo, o prazer daquilo que nos incomoda. Apesar do cérebro representar apenas 2% de nosso peso, ele consome de  20 a 30% de toda a nossa energia. É o primeiro órgão a se formar, antes mesmo do coração. Isso ocorre na terceira semana de vida do embrião a partir desse momento, já sofre estimulações, sendo os dois primeiros anos de vida da criança o período de maior desenvolvimento cerebral e capacidade de se modificar aos estímulos ambientais, ou seja maior capacidade de plasticidade cerebral. Porém, com o tempo, perdemos um pouco dessa capacidade e deixamos de exercitá-lo como deveríamos.

“Quando falamos em treinamento ou estimulação cerebral, muitas pessoas, por pura desinformação ou preconceito, acham isso um absurdo, uma mentira”, revela o médico neurologista Dr. Rauph Guimarães, que fez o curso de Neuromodulação pela Harvard Medical School de Boston. “Achamos normal um atleta treinar o corpo, e um absurdo quando ele faz uso de substâncias químicas para melhorar o desempenho, os chamados anabolizantes. Por que em relação ao cérebro ocorre o inverso? O pior é ouvir esta opinião de um país como o Brasil, que é campeão mundial em uso de antidepressivos, onde há pessoas que tomam sem necessidade e as vezes até por puro status social” afirma Dr. Rauph.

Segundo o médico, a Neuromodulação consiste em submeter o córtex cerebral de forma direta ou indireta a um estímulo elétrico, promovendo alterações neuroquímicas nos neurônios. Isso libera neurotransmissores que podem ser excitatórios ou inibitórios, o que resulta em uma facilitação ou inibição de alguma determinada função ou comportamento, dependendo do local onde o estímulo elétrico foi ofertado, da duração e de suas características.

 

Origem

O uso de correntes elétricas para fins terapêuticos, na medicina, começou no século 18 com o médico italiano Luigi Galvani. Foi em 1930, com o advento da eletroconvulsoterapia, especialmente para casos de depressão grave e esquizofrenia, que ficou comprovada a eficácia

da neuromodulação, mas associado a isso veio o estigma e preconceito pela forma como a mesma técnica foi usada de forma indiscriminada para a prática de tortura durante a II Guerra Mundial, levando ao abandono do procedimento.

Em 1960, o psicólogo James Olds, um dos fundadores da neurociência moderna, comprovou através de estudos em animais, que o cérebro é capaz de se autorregular, e que estimulando eletricamente determinadas áreas, há mudança de comportamento, focados ao prazer. Essa conduta passa a se manter de forma autônoma mesmo na ausência do estímulo. É assim que surge a neuromodulação.

Só a partir da década de 1970 foi retomada a prática com o advento da estimulação magnética transcraniana (TMS) para o tratamento da dor crônica e de depressão. De lá para cá, é um dos ramos da medicina que mais se expande, com novas descobertas a cada ano, é a era da biotecnologia aplicada para ajudar pessoas que sofrem de transtornos neuropsiquiátricos ou comportamentais ou desejam aperfeiçoar o desempenho do seu cérebro.

Dr. Rauph explica que a técnica pode ser ainda utilizada em casos de depressão, Mal de Parkinson, dor crônica, epilepsia, reabilitação pós-AVC e doença de Alzheimer. “A neuromodulação também é indicada para problemas de memória, fibromialgia, lesões de medula espinhal, transtorno afetivo bipolar, déficit de atenção, hiperatividade e dificuldade de aprendizagem, pessoas agressivas ou impulsivas, com distúrbios visuais, de linguagem, de equilíbrio ou coordenação”, conta o médico.

 

Superação

Foi o que aconteceu com Ana Beatriz Machado, que sofria de vasculite primária do sistema nervoso central – uma inflamação dos vasos sanguíneos do cérebro e das meninges. Essa doença diminui o fluxo de sangue e, caso não tratada a tempo, pode levar a coma e à morte. Ana Beatriz tinha um histórico de dor de cabeça intensa, convulsões, alteração de comportamento, déficits cognitivos e diabetes desde os 9 anos, chegando a ficar em coma por vários dias a apresentar alucinações e confusão mental. “Tratamos a vasculite e ela se recuperou, mas ficou com perda parcial da visão, fraqueza nos braços e pernas, dores crônicas, falta de coordenação e déficit de memória e orientação, ansiedade, impulsividade e alteração de humor. Tratamos a vasculite com medicamentos por dois meses, na sequência veio a fase de reabilitação das sequelas e iniciamos à neuromodulação”, conta Dr. Rauph. Durante 14 dias, o neurologista fez em Ana a estimulação transcraniana por corrente contínua na região do córtex pré-frontal dorso-lateral, região parietal e temporal.

Hoje, Ana Beatriz comemora os resultados do tratamento. “Estava desenganada e perdida, sem conseguir um diagnóstico ou tratamento correto. Por muito pouco não fui internada em um hospital psiquiátrico. Fiquei vários dias em coma, três meses internada e fiz vários exames. Finalmente descobrimos que se tratava de uma vasculite. Fiz o tratamento com remédios e imunosupressores e iniciei a neuromodulação. Aos poucos, vou levando minha vida. Ainda não estudo nem trabalho, mas sinto uma melhora de 100%. Hoje agradeço por estar viva, podendo falar, enxergar, andar e interagir com as pessoas”, comemora.

Outro exemplo de superação é o da aposentada Lindamir Casagrande Silva, de 77 anos. Foram 30 anos tratando a depressão e a aposentada não acreditava mais no tratamento que estava seguindo. Foi seu neto, Daniel Mendes, que ao procurar uma nova ajuda para a avó chegou até a neuromodulacão. “Na primeira consulta o médico foi muito cuidadoso. Pediu vários exames e trocou a medicação. Depois de três semanas fazendo o novo tratamento as melhoras eram significativas”, conta Daniel.

Dr. Rauph relata que a aposentada já não andava, não falava e não tinha coordenação motora. “Hoje ela fala, come sozinha, toma banho apenas com a ajuda de uma pessoa, enfim, uma melhora considerável”. Ele afirma que no caso da dona Lindamir, que sofre de um distúrbio de movimento que responde muito mal a tratamentos convencionais – a discinesia (que são movimentos involuntários do corpo) tardia devido a síndrome do anticorpo antifosfolipídeo. Com a medicação correta e com as sessões de neuromodulação, o resultado alcançado impressiona.

 

 

 

Hiperatividade e déficit de atenção 

 

Quantas vezes não ouvimos de pessoas ou mesmo pais, que tal criança está de manha, preguiça ou é falta de educação. Hoje, sabemos que crianças que apresentam estes sintomas ou comportamentos alterados podem sofrer de hiperatividade  – a TDAH,Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, doença que afeta cerca de 5% das crianças no Brasil e mundo. Sintomas como desatenção, inquietude, impulsividade e dificuldade escolar são algumas das características. O que muitos pais não sabem é que há tratamento aliado à neuromodulação para esses casos. Foi o que aconteceu com o menino Lucas, hoje com 10 anos. Com um histórico de déficit de atenção, ele foi levado pela sua mãe Maria Eunice Bernardino para fazer o tratamento. “Lucas era muito agitado e tinha dificuldade para fazer o básico, como comer, tomar banho e estudar. A hora de dormir era a pior do dia, ele dormia sempre muito tarde”, conta a mãe. O comportamento do filho também a influenciava de maneira negativa. “Eu trabalho o dia todo e quando chegava em casa ainda tinha que ter o pique do meu filho. Muitas vezes eu simplesmente não conseguia, ficava morta de cansaço”, revela Maria Eunice.

Depois que Lucas iniciou o tratamento, a mãe descobriu o que era o sossego. “Com o Lucas aliamos o uso de medicamentos com a estimulação transcraniana por corrente contínua no cerebelo e córtex pré-frontal. Conseguimos ótima resposta na inquietação, impulsividade, hiperatividade e no desempenho escolar”, afirma Dr. Rauph. “O Lucas agora é muito mais calmo, as notas na escola melhoraram e ele consegue dormir cedo e bem. Aquelas tarefas rotineiras que antes eram tão pesadas, hoje se tornaram prazerosas de realizá-las com meu filho”, comemora a mãe.

Ainda existem poucos centros de neuromodulação no país. São Paulo, Ribeirão Preto, Rio de Janeiro e Porto Alegre são exemplos de cidades que dispõem desse tratamento. Curitiba agora é a mais nova capital a ter profissional credenciado para fazer a avaliação e a terapia através da neuromodulação.

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