Avanços da Medicina

Libido, amor… e sexo

Entrevista com Dra. Giane Galvão traz na prática como a sexualidade pode ser trabalhada pela medicina

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Um antigo dito popular diz que o amor e a fome movem o mundo. A psicologia, a religião e a biologia, entre outras ciências, tentam explicar porque a pratica do sexo, já que a fome tem motivos óbvios, é vital para a maior parte da humanidade. E não somente o sexo pelo prazer, mas pelo amor e pela paixão.

Psicanalistas que desenvolveram algumas das principais teorias da psicologia, principalmente Freud, foram responsáveis pelo estudo e definição desse conceito de libido, palavra que, hoje, comumente define o impulso sexual.

O interesse pelo sexo é tão antigo quanto a vida. Grande parte da arte pré-histórica tem conteúdo sexual explícito. Ainda na Antiguidade, um poeta do Império Romano, Ovídio, escreveu A Arte de Amar, uma espécie de manual da sedução. Mas foi na Idade Média, ainda que o cristianismo pregasse o sexo apenas como forma de cumprir o mandamento divino da procriação, que o casamento e o sexo por amor começaram a ganhar popularidade.

A reforma protestante, no século 15, ajudou essa popularidade a crescer, ensinando que o sexo poderia ser praticado por prazer, desde que dentro do casamento. O escritor do Gênesis, primeiro livro da Bíblia, coloca o casamento como algo primordial: “Portanto deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á à sua mulher, e serão os dois uma só carne” (Gênesis 2:24). Sendo “uma só carne” uma definição do ato sexual.

A nutróloga Giane Galvão, com 20 anos de prática de sucesso, dos quais 10 se destaca em Curitiba pela forma diferenciada com que trata seus pacientes, desenvolve o tema da sexualidade com natural sensibilidade, desmistificando alguns conceitos convencionais e afirmando que “a sexualidade é um grande parâmetro da qualidade de vida”. A seguir, em entrevista à Revista Corpore, a médica fala sobre como a sexualidade e outros aspectos da vida humana, devem ser considerados em uma abordagem médica abrangente voltada para a promoção da saúde. “Com o avanço da ciência, conceitos da nutrologia, gerontologia, psicologia, fisioterapia, educação física e nutrição têm ampliado a perspectiva de longevidade promovendo uma fisiologia biologicamente saudável, com uma vida plena e ativa também na questão sexual”, afirma.

 

Revista Corpore: O que é sexualidade?

Dra. Giane Galvão: Sexualidade é um termo de grande amplitude e complexidade, com características de fatores múltiplos, e dificilmente se encaixa em uma definição única e absoluta, pois nos remete a um universo onde tudo é relativo, pessoal e até paradoxal. O contexto influi diretamente na sexualidade, que se manifesta diferentemente em cada indivíduo através das experiências vivenciadas em interação com fatores genéticos e, principalmente, culturais. É o traço mais íntimo do ser humano, comparável às nossas digitais, portanto é, antes de tudo, uma marca pessoal. A sexualidade reflete a nossa personalidade e, por estar associada ao prazer e à realização, continuamente expressa e potencializa as nossas identidades, definindo escolhas e relacionamentos.

 

Revista Corpore: Qual a relação entre amor e sexo?

Dra. Giane Galvão: Os seres humanos vivem simultaneamente em muitos níveis; somos entidades físicas num mundo material, mas também somos seres emotivos e espirituais. O amor, o sexo e a sexualidade são três dimensões de uma mesma energia que interage e impulsiona a criatividade biológica. O amor é uma fonte de energia tão importante e vital que contribui enormemente para o nosso bem-estar mental, emocional, espiritual e físico. Enquanto imagem de Deus, o ser humano foi criado para amar. Esta verdade nos foi revelada no Novo Testamento (1 Jo 4, 8), em que Deus inscreve na humanidade do homem e da mulher a vocação do amor e da comunhão. Portanto, o amor e seus desdobramentos constituem a originária vocação do ser humano.

Nosso coração anseia por amor, que expande nosso sentido para além de nós mesmos. Com ele, vivenciamos a liberdade e a plenitude em detrimento do isolamento e da alienação. O amor pode ser expresso fisicamente por meio do afeto e da sexualidade, e a sexualidade, por sua vez, pode se realizar no sexo. Muitas vezes, se confunde sexualidade com sexo, mas a sexualidade não precisa vir necessariamente acompanhada de sexo, como também não necessita de uma relação exacerbada com o sexo, uma vez que a busca de prazeres e realização não está explicitamente ligada a atos sexuais.

 

Revista Corpore: O comportamento sexuale a sexualidade definem relacionamentos?

Dra. Giane Galvão: Certamente, não só definem relacionamentos pessoais como também os sociais. Vivemos em uma cultura consumista do prazer imediato, é o ‘fast sex’ ou sexo casual, onde há prazer sem envolvimento, ou seja, sexo sem amor, uma característica dos tempos atuais. Com as constantes trocas de parceiros, não há tempo para se estabelecer vínculos afetivos, daí o vazio, perde-se a cumplicidade, que é essencial para se vivenciar a plenitude em sua capacidade de se relacionar. A falta de amor, do cuidar e ser cuidado, da construção do relacionamento, pode gerar grandes carências e frustrações, e muitas doenças psicossomáticas.

Relacionar-se dá trabalho e leva tempo para ser elaborado e ajustado. Inúmeras pesquisas confirmam que relacionamentos estáveis são fundamentais para a qualidade de vida e longevidade. Na maioria dos relacionamentos conjugais, a energia sexual reforça a intimidade de um compromisso e a enfraquece quando o compromisso deixa de existir. Então, concluímos que uma vida sexual prazerosa é essencial para a felicidade e estabilidade dos casamentos. Quanto maior a percepção e o exercício da sexualidade, maior o sentido de unicidade e nós, seres humanos, temos uma necessidade inata de vínculos afetivos, onde a expansão do ‘eu e meu’ para o ‘nós e nosso’ expressam-se como busca de prazer e realização no ‘outro’.

 

Revista Corpore: Qual a relação entre sexualidade e libido?

Dra. Giane Galvão: Ao longo da vida, a sexualidade e o amor expressam-se de diferentes maneiras. Quando crianças, somos seres irrelevantes, mas, nos braços da mãe, passamos a nos sentir importantes e essenciais. A fome se transforma em plenitude, a ansiedade em segurança e o incômodo em alívio. Quando jovens nos apaixonamos por personalidades, nos identificando com amigos, professores, ídolos, grupos e ideologias, e é também nessa fase da vida que aprendemos a lidar com a dor que provém das perdas. Como adultos, continuamos nossa auto-expansão por meio da constituição da família, posses, vida profissional, crenças, ideais e relacionamentos sociais.

Freud afirma que é impossível desvincular o sexo do cotidiano. Ele baseou uma boa parte de sua teoria sobre o desenvolvimento humano na sexualidade, desenvolvendo o conceito de libido que se traduz como desejo sexual e busca do prazer, o que corresponde à própria energia para a vida. Enfim, é a libido a grande responsável por nossa disposição no trabalho, para o lazer, para coisas do dia a dia como ir a um shopping, beber um vinho, petiscar ou ficar horas conversando com amigos.

 

Revista Corpore: Os hormônios interferem na libido?

Dra. Giane Galvão: Sim, diretamente. Os hormônios controlam virtualmente todas as funções corporais e impulsionam o ritmo biológico. O desequilíbrio hormonal pode consumir energia e vitalidade, ao passo que a otimização dessas substâncias garante um metabolismo ativo, promovendo, consequentemente, a libido. Especificamente falando em ‘hormônios sexuais’, eles são assim denominados porque em concentrações normais na corrente sanguínea mantêm homens e mulheres profundamente interessados em assuntos sexuais. Hoje, através de uma simples amostra de sangue, podemos ver como andam nossos hormônios. A modulação hormonal, através de precursores hormonais fitoterápicos e hormônios bioidênticos, vem promovendo melhor qualidade de vida para homens e mulheres, com mais segurança e menos efeitos indesejáveis. Constatamos que a modulação hormonal melhora o humor, a concentração e o sono, reduz os sintomas do climatério e tem efeitos preventivos na osteoporose, doença de Alzheimer e doenças cardiovasculares, além do evidente aumento da libido.

 

Revista Corpore: Como esta a sexualidade no contexto atual?

Dra. Giane Galvão: É de fascinante interesse para todas as pessoas e, apesar de ser um dos mais antigos objetos apelativos de marketing e comunicação, a sexualidade ainda pode ser um assunto velado e constrangedor quando confrontado na intimidade. Há 50 anos havia total repressão aos assuntos relativos ao sexo, mas, a partir da revolução sexual iniciada pelo advento dos anticoncepcionais, na década de 1960, a busca do prazer passou a ser marca de expressão e liberdade. Com a libertação sexual, ampliou-se o caminho para expressarmos e falarmos mais sobre sexo. O lado bom é que, ao falarmos mais de sexo, as pessoas se sentem mais à vontade para expor seus medos, desejos e fantasias e também podem aprender mais sobre seus corpos, sobre doenças, uso de preservativos e como tornar o sexo mais prazeroso.

Em contrapartida, o excesso de informações desqualificadas pode trazer muitas referências de comportamentos incompatíveis com a personalidade das pessoas, gerando confusão, questionamentos e muitos desencontros, principalmente se o indivíduo ficar se comparando com o que é dito por aí. Apesar da importância da informação, o fundamental é que cada pessoa se sinta bem com sua sexualidade, pois a verdadeira liberdade sexual se revela na capacidade de saber se o que você faz está coerente com quem você é.

 

Revista Corpore: São comuns os conflitos na área sexual; como esta a atenção medica para a sexualidade?

Dra. Giane Galvão: Sim, muito mais de que se pode imaginar há conflitos, transtornos e disfunções na área sexual. Esses conflitos podem repercutir diretamente na saúde, promovendo doenças psicossomáticas. Muitos casos de depressão e dificuldades de relacionamentos originam-se na esfera sexual. Em geral, as pesquisas demonstram que boa parte das pessoas não está satisfeita com sua vida sexual e cerca de um terço dos homens e um quarto das mulheres afirmam fazer menos sexo do que gostariam. Atualmente, a medicina baseia-se na racionalidade científica, por isso o médico recebe um treinamento exagerado em termos racionais e tecnológicos, desenvolvendo muito pouco o aspecto emocional e afetivo, em que o médico quer saber tudo ou quase tudo de medicina, mas muito pouco da vida humana. Por isso, muitas vezes ele encontra dificuldade em avaliar e entender as reações emocionais do paciente, principalmente na esfera sexual.

Penso que, em qualquer especialidade, a sexualidade do paciente sempre ocupará uma posição básica e fundamental, independentemente da doença que o ameace ou a seus familiares. Na prática médica, procuro orientar as pessoas de forma a propiciar uma melhor compreensão da própria sexualidade, o que equivale a alcançar um dos aspectos fundamentais para uma boa auto-estima: bem-estar e qualidade de vida.

 

Revista Corpore: A sexualidade e um parâmetro de qualidade de vida?

Dra. Giane Galvão: Com certeza. A sexualidade é um grande parâmetro da qualidade de vida. Nos dias atuais, a qualidade de vida sexual é um termômetro de bem-estar, tanto que se tornou uma das melhores medidas de qualidade de vida de uma pessoa, segundo a Organização Mundial de Saúde. É muito difícil ser completamente saudável e feliz sem uma vida sexual regular e satisfatória. Vários estudos em gerontologia demonstram que a sexualidade ativa promove longevidade. A vida sexual prazerosa, em termos quantitativos e qualitativos, traz uma série de benefícios à saúde mental, cardiovascular e até imunológica. Vive-se mais e com mais alegria.

Hoje, há um grande arsenal de recursos diagnósticos e terapêuticos. Com o avanço da ciência, conceitos da nutrologia, gerontologia, psicologia, fisioterapia, educação física e nutrição têm ampliado a perspectiva de longevidade, promovendo uma fisiologia biologicamente saudável, com uma vida plena e ativa também na questão sexual.

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