Ginecologia e Obstetrícia

Inimiga misteriosa

A endometriose é uma doença silenciosa que pode acabar com o sonho de ser mãe. Quer mais motivos para ficar atenta?

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Grande parte das mulheres tem uma rotina mensal que inclui tensão pré-menstrual, cólicas e sangramento. Da puberdade ao climatério, elas convivem com esses e outros fatores ligados às funções fisiológicas e reprodutivas. Entretanto, para um importante grupo de mulheres, esses sintomas são mais intensos, tão fortes que diminuem drasticamente a qualidade de vida.

A professora de Educação Física Daniele Perbiche Bená, de 32 anos, faz parte deste grupo – e lembra bem do sofrimento. “Quando parei de tomar anticoncepcional, após 14 anos de uso, as dores ficaram evidentes. Eram mais fortes na fase menstrual, mas eu as sentia durante todo o período. Cheguei a tomar remédios intravenosos, fiz muitos exames com suspeita de apendicite e nada. Como dou aulas de natação e hidroginástica, cheguei a pensar em largar a profissão, pois não conseguia ficar o tempo todo em pé”, lembra ela.

Em uma dessas crises, um médico plantonista sugeriu que ela procurasse um ginecologista para descartar a hipótese de endometriose. Finalmente, uma resposta para tanta dor. “Logo no primeiro exame fui diagnosticada com um grau severo de endometriose”, conta.

Daniele não está só: cerca de 6 milhões de brasileiras possuem o problema, que pode apresentar dores alarmantes ou ser silencioso. Outro sintoma pode ser a infertilidade (dificuldade para engravidar). De acordo com o ginecologista Dr. William Kondo, especialista em cirurgia minimamente invasiva, a doença é conhecida há anos, mas é difícil obter um diagnóstico correto. “Algumas vezes, as mulheres descobrem o problema já em estágio avançado e essa demora pode dificultar o sonho de ser mãe”, diz Dr. William.

Dois fatores são responsáveis pela demora no diagnóstico. O primeiro é a falta de acompanhamento especializado: a paciente passa anos sem procurar o ginecologista, ainda que seu corpo lhe dê sinais periódicos de que algo está errado. O segundo é que, como os sintomas dolorosos podem ser variados, médicos de outras especialidades são procurados e eles nem sempre levam em conta a possibilidade da endometriose.

O diagnóstico

Diante da suspeita de endometriose, um exame ginecológico clínico detalhado é o primeiro passo para o diagnóstico. A suspeita pode ser investigada com exames laboratoriais e de imagem. Segundo a médica ginecologista Dra. Monica Tessmann Zomer Kondo, o importante é fazer uma avaliação específica e aprofundada. “Hoje em dia é possível mapear alguns tipos de lesões de endometriose (endometriomas ovarianos, adenomiose e endometriose profunda) por meio de exames de imagem”, destaca. No entanto, é importante lembrar que a forma mais comum de endometriose é a doença superficial, que pode ser identificada com exames laboratoriais e de imagem normais. Neste caso, o diagnóstico é por meio de um procedimento cirúrgico chamado de laparoscopia diagnóstica.

De mãe para filha

A idade média do diagnóstico da endometriose é entre 25 e 35 anos. Uma mulher cuja mãe ou irmã tem endometriose apresenta uma maior probabilidade de desenvolver a doença. No caso de Daniele, a mãe e a irmã tiveram a doença. “Quando o médico me disse que era endometriose num grau avançado, saí chorando, pensando que não poderia ter filhos”, lembra. “Após conversar sobre o procedimento cirúrgico e os possíveis tratamentos para engravidar, fiquei mais tranquila com relação à doença e marquei a cirurgia logo em seguida”, conta a professora.

“Confesso que tinha muito medo, mas estava confiante. Como a endometriose estava no intestino, precisei retirar parte dele, mas a recuperação foi super-rápida. Tive todo o apoio necessário da equipe, sempre me fazendo acreditar que a doença não podia vencer, eu que a venci. Claro que tenho um pouco de medo que volte, até porque quero muito ter filhos. Mas sei que posso contar com meu ginecologista”, diz Daniele.

Infertilidade

A história da psicóloga Bárbara Wieczorkowski, de 33 anos, é parecida com a de Daniele. “Sempre tive muita cólica e já havia feito vários exames desde a adolescência, mas nunca recebi nenhum diagnóstico que justificasse as dores. Como meu marido e eu estávamos tendo dificuldades para engravidar, iniciamos uma investigação sobre as possíveis causas. Em 2012, foi confirmado o diagnóstico”, conta ela. “Num primeiro momento fiquei inconformada por não ter recebido o diagnóstico antes”, conta a psicóloga.

Bárbara foi atrás do tratamento – realizado por videolaparoscopia. “O médico me transmitiu muita confiança. Foi tranquilizador entender quais as possibilidades que eu tinha e sabia que estava em boas mãos. Após o procedimento, ele também me acompanhou de perto até a total recuperação. Só lamento de ter descoberto tarde, pois poderia ter sido poupada de anos de dores e desconforto”, desabafa Bárbara.

É importante lembrar que nem todo casal que não consegue engravidar tem endometriose. “Existem várias causas de infertilidade e a endometriose é apenas uma delas”, esclarece Dr. William.

O tratamento

O tratamento da endometriose depende do sintoma principal: dor e/ou infertilidade. Mulheres com doença superficial podem optar por um tratamento contraceptivo para evitar a gestação não planejada e para o alívio sintomático das cólicas. No caso de infertilidade associada, pode haver indicação de cirurgia. As que apresentam doença profunda podem escolher entre o tratamento clínico e o cirúrgico.

O tratamento cirúrgico da endometriose é realizado por videolaparoscopia. “Essa é uma abordagem minimamente invasiva através do abdome, que utiliza pequenas incisões por onde são introduzidos os instrumentos cirúrgicos. O objetivo é remover completamente os implantes de endometriose, restaurar a anatomia e liberar as aderências intra-abdominais. Mais de 80% das mulheres submetidas à cirurgia têm melhora significativa da dor, embora haja um risco de recorrência da doença a longo prazo”, diz Dr. William.

A indicação de cirurgia deve ser amplamente discutida com o seu médico, pois depende da idade, dos sintomas, do desejo de gestação, da presença ou não de infertilidade e de uma série de outros fatores. “A cirurgia não cura a endometriose. Ela elimina os focos principais da doença e reduz a reação inflamatória dentro do abdome, o que leva à redução dos sintomas dolorosos e melhora da fertilidade”, ressalta a Dra. Monica.

 

O que a doença implica na vida da paciente?

A endometriose pode prejudicar diretamente a qualidade de vida e a capacidade de reprodução. A maioria das pacientes sente dores intensas antes, durante e/ou depois da menstruação, geralmente piores que cólicas; outras, porém, não relatam nenhum sintoma e só descobrem o problema quando têm dificuldades para engravidar. Os principais sintomas são:

  • cólicas menstruais severas;
  • dor durante e depois da relação sexual;
  • dor pélvica (embaixo do ventre);
  • evacuação dolorosa e outros transtornos intestinais (diarreia ou prisão de ventre)  durante o período menstrual.

 

O que é a endometriose?

O tecido normal que reveste a parede interna do útero e que sangra durante o período menstrual é chamado de endométrio. É nele que o óvulo, depois de fertilizado, se implanta. Se não há fecundação, parte do endométrio é eliminada durante a menstruação. O que sobra volta a crescer e o processo todo se repete a cada ciclo. Na endometriose, um tecido semelhante ao endométrio se desenvolve fora da cavidade uterina. “Tipicamente essa doença ocorre na pelve, mas pode ocorrer em outros órgãos do corpo”, esclarece o ginecologista.

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