Bem Estar

A pílula da Obediência

O que estamos fazendo com nossos filhos?

a-pilula-da-obediencia+corpore

O alerta é muito sério. O que será de nossas crianças, jovens e adolescentes que sofrem hoje uma epidemia desenfreada de diagnósticos de transtornos e distúrbios – como dislexia, déficit de atenção e hiperatividade -, para os quais o tratamento mais indicado são drogas que visam controlar comportamentos, causando muito mais danos à saúde física e mental e, segundo especialistas, colocando em risco o futuro destas gerações?

Para se ter uma ideia da amplitude e gravidade do problema, no ano 2000 eram consumidas 71 mil caixas de medicamentos só para tratar os distúrbios relacionados à aprendizagem. Em 2010 , o salto já era superior a dois milhões, fazendo do Brasil, mais uma vez, um dos campeões no consumo destas drogas “tarja preta” – como os medicamentos à base de metilfenidato, indicados para o tratamento de transtornos de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). As vendas da droga saltaram quase 80% entre 2004 e 2008, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Este aumento evidenciou suspeitas de uso indiscriminado, levantando a questão de que crianças vêm recebendo erroneamente o diagnóstico positivo por conta do comportamento agitado, e que adolescentes estariam obtendo o remédio clandestinamente para turbinar suas funções cognitivas.

O problema é tão grave que envolve todo um sistema de educação, englobando as escolas, os pais, professores, médicos, psicólogos, psicopedagogos e, principalmente, o interesse de indústrias e laboratórios farmacêuticos – os que mais ganham com esta mazela. Entretanto, precisamos entender que existem diferenças entre os seres humanos, seja no aprendizado das crianças, seja no comportamento ou atitudes das pessoas, e que, estatisticamente, cerca de 10% delas são diferentes do grupo, ou seja, estão fora dos padrões desejáveis.

Diagnóstico cauteloso

O impasse é que o ensino público não está preparado para esta separação, ou diferenciação, e são poucas as escolas privadas que possuem tratamento diferenciado, ou apoio psicopedagógico para o acompanhamento de portadores com dislexia, déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). O mais comum é encaminhar sempre estes jovens para serem diagnosticados, medicalizados indiscriminadamente, já que os outros 90% da população não podem sofrer, ou não querem lidar com estas diferenças de comportamento e aprendizagem. Tais medicamentos, conforme relato de alguns profissionais, facilitam a reorganização do ambiente de estudo e a harmonia no processo educativo. Mas a que custo? Quais as consequências disto a médio e longo prazos?

A verdade é que o consumo exagerado destes controladores mentais está atemorizando educadores e sociólogos, levantando muitas dúvidas na sociedade atual. Tanto, que o assunto já vem sendo tratado no Senado Federal, onde a senadora Ângela Portela (PT) tenta alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente, criando regras para um diagnóstico mais cauteloso, seguindo protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde.

O problema também é alvo do Conselho Federal de Psicologia, o qual acredita que o sistema de ensino está criando psicopatologias. “Quando se tem uma criança que não lê, não escreve e não presta atenção, não se questiona o tipo de escola que está sendo oferecida a ela, mas é ela quem não está tendo a atenção necessária”, destaca a conselheira do CFP, Marilene Proença. Comissões de direitos humanos, fóruns sobre a medicalização da educação e da sociedade, pesquisadores de diversas universidades, ONGs e associações, estão mobilizadas para debater a questão, e o Ministério da Saúde reconhece a gravidade do tema.

De acordo com a professora do Departamento de Pediatria da Unicamp, Dra. Maria Aparecida Afonso Moysés, é preciso reaprender a olhar e a tratar. “Esses problemas são individualizados. Em vez de se discutir a política educacional, as instituições, e que sociedade é essa que estamos construindo – cada vez mais produtivista, mercadológica e competitiva -, discutimos qual é o transtorno de cada uma das pessoas, como se apenas elas tivessem problemas”, destaca a pesquisadora.

Para a Dra. Giane Galvão, médica nutróloga em Curitiba, que sempre combateu o uso de anfetaminas e psicotrópicos para tratamentos de saúde, e comemorou a recente proibição da Anvisa para a produção, comércio e manipulação de medicamentos à base de femproporex, mazindol e anfepramona, essa medida veio tarde. “Estas drogas agiam como estimulantes do sistema nervoso central, intensificavam a ação dos neuro-hormônios, da nora-adrenalina e ativavam o sistema nervoso simpático, atuando no centro de controle do apetite e reduzindo a atividade gastrointestinal. Elas eram indicadas abusivamente para emagrecer, da mesma forma que o metilfenidato é prescrito indiscriminadamente para tratar o TDAH. O problema destas drogas são seus efeitos colaterais, que só causam malefícios à saúde”, destaca.

Quem utiliza metilfenidato, conhecido comercialmente por Ritalina, fabricado pelo laboratório Novartis Biociências e o Concerta do laboratório Janssen Cilag, ambos para o déficit de atenção e hiperatividade, sofrem com os efeitos colaterais como dores de cabeça, diminuição do apetite, irritabilidade e alteração do sono. Em casos em que a receita médica é fornecida de forma irresponsável ou clandestina, os riscos aumentam. Segundo especialistas, na inexistência de avaliação médica prévia ou consciente, há risco de agravamento de problemas pré-existentes neuropsiquiátricos, como transtorno do pânico, transtorno bipolar, epilepsia; e também clínicos, como hipertensão arterial e arritmias cardíacas. “São psicotrópicos e tranquilizantes que podem provocar morte súbita e inexplicada, até sete vezes mais do que em crianças e adolescentes que não os tomam”, alerta Dra. Maria Aparecida, professora da Unicamp e uma das membro fundadoras do Fórum de Medicalização no Brasil.

Resta saber se o projeto da senadora Ângela Portela (PT), que é uma tentativa de restringir o uso de drogas para o caso de déficit de atenção e hiperatividade em crianças e adolescentes, terá respaldo político. Pois, conforme a senadora, “interesses econômicos de laboratórios farmacêuticos reforçam a tendência dos profissionais de saúde e de educação a transformarem um problema não médico – de aprendizagem ou comportamento – em um problema biológico do indivíduo, com causa e solução médica, ou medicalização”.

“Ou teremos jovens dependentes de drogas e medicamentos, ou teremos novas epidemias de transtornos nos adultos modernos. Essa sera a real visão do futuro se nós não nos mobilizarmos em casa, na escola, com nossos médicos e, principalmente, dar mais amor para nossos filhos”, enfatiza a nutrologa Dra. Giane.