A cura pode estar na cirurgia bariátrica?
Após a cirurgia da obesidade muitos pacientes alcançam o controle do diabetes, mas a técnica ainda não pode ser indicada para todos os casos
O diabetes mellitus, ou simplesmente diabetes, como é popularmente conhecid, é uma doença metabólica que, segundo estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS), está na lista das cinco doenças de maior índice de morte no mundo. O mal envolve, primariamente, o metabolismo da glicose, interferindo também no metabolismo das gorduras e proteínas, elementos essenciais ao organismo, mas que em quantidades elevadas podem causar graves consequências à saúde.
Há diversas formas clínicas do diabetes mellitus, como os do tipo 1, tipo 2 e diabetes gestacional. Destes, o diabetes tipo 2 é o mais comum e, geralmente, é ocasionado pela resistência à insulina. Como resposta, o pâncreas aumenta a produção dessa substância, levando, com o tempo, à exaustão do órgão (ou falência primária). Frequentemente está associada à obesidade e ao sedentarismo. Estudos indicam que de 60% a 90% dos portadores sejam obesos.
Com o surgimento das cirurgias bariátricas, ou cirurgias da obesidade, observou-se que os pacientes obesos diabéticos do tipo 2 operados tinham uma evidente melhora do controle glicêmico, e isso apenas alguns dias após a cirurgia, mesmo sem ter havido importante perda de peso. Já no pós-operatório, muitos apresentam a diminuição e, não raramente, a normalização da glicose, sem o uso de medicação. Esse resultado se deve ao desvio intestinal realizado na cirurgia, que restabelece a secreção de peptídeos intestinais, fundamentais para auxiliar a secreção de insulina pelo pâncreas.
Resultados promissores
Após a identificação desses resultados, muito se tem falado e até mesmo noticiado por meios de comunicação que a cirurgia bariátrica seria indicada para controlar e até curar a doença. No entanto, é muito importante esclarecer que a técnica, até o momento, só deve ser aplicada aos pacientes obesos.
“Em não obesos, a cirurgia bariátrica para o tratamento do diabetes continua sendo estudada e ainda não pode ser apresentada como solução. Trata-se de um procedimento que necessita de pesquisas científicas, uma vez que a medicina baseia-se em comprovações”, alerta Paulo Nassif, cirurgião do aparelho digestivo.De acordo com o especialista, o que não se pode negar é que os estudos sobre o assunto já alcançaram resultados promissores, demonstrando que quase a totalidade dos obesos submetidos à cirurgia da obesidade alcança a resolução ou pelo menos a melhora do controle do diabetes.
Todavia, nos casos em que já existe falência secundária do pâncreas (quando já se perdeu grande quantidade das células beta, produtoras de insulina), como nos diabéticos tipo 2 de longa duração, nem sempre é possível a resolução do distúrbio, mesmo após a cirurgia bariátrica.
Por isso, é importante que assim que seja diagnosticada a doença, se procure tratamento clínico. Quanto à cirurgia, a indicação é para pacientes com índice de massa corporal (IMC) igual ou maior a 35, sem sucesso nos tratamentos convencionais para a perda de peso.
Vida plena
O gerente de restaurante Devanir Aparecido da Silva, 55 anos, usava medicamentos para emagrecer há mais de uma década. Tudo que lhe diziam que pudesse fazer para perder peso ele tentou, chegando até a viajar para outros Estados à procura da fórmula mágica. “No entanto, esses remédios já estavam me prejudicando, estava me tornando agressivo com minha família, amigos, colegas e até com os clientes”, comenta.
Há tempos Devanir controlava o diabetes tipo 2 com medicação, mas mesmo assim sua glicemia continuava nas alturas, passando de 250. Seus índices de colesterol, triglicerídeos e a pressão arterial também estavam alterados.O diagnóstico era de síndrome metabólica, ou seja, um conjunto de doenças como diabetes tipo 2 ou pré-diabetes, hipertensão arterial, dislipidemia (geralmente representada por aumento do nível dos triglicerídeos e diminuição do HDL, o colesterol bom) e obesidade visceral. Essas doenças, quando associadas, cursam para o alto risco cardiovascular. Ele também tinha outros agravantes, como o aumento do ácido úrico e a esteatose hepática, que é a infiltração gordurosa no fígado. O tratamento para essa síndrome é a perda de peso e mudança de hábitos de vida.
Foi o que aconteceu com Devanir, que após a cirurgia não só perdeu peso, mas também se livrou de todas as comorbidades que o afetavam. Passados quatro anos, o gerente continua acompanhado pela equipe multidisciplinar, está bem de saúde e, o que é melhor, com a glicemia absolutamente normalizada. A agressividade foi para o lixo junto com os remédios e isso fez uma grande diferença para ele e para todos do seu convívio.
Herança genética
Outro caso de sucesso é o da dona-de-casa Rosemary Biscouto, que era também portadora da síndrome metabólica e desde a infância vivia uma constante luta contra o sobrepeso. Aos 60 anos, sofreu um acidente vascular transitório que lhe causou problemas de visão. A taxa de glicemia já havia chegado a 340 e necessitava ser controlada com remédios, muitas vezes sem sucesso. A herança genética era outro fator preocupante: “Minha mãe usava insulina e eu pensei que, com a glicemia alta como eu estava, também iria pelo mesmo caminho”, lembra.
Hoje com 64 anos, apenas um ano e meio após a cirurgia da obesidade, Rosemary é uma nova mulher, sem diabetes nem problemas para manter os níveis de colesterol, triglicerídeos e pressão arterial normalizados. “O que aumentou bastante foi a minha qualidade de vida e a disposição”, comenta.
Vale ainda ressaltar que a cirurgia não é um milagre por si só, e que para ter um bom resultado tanto no âmbito da perda e manutenção do peso corporal quanto no controle metabólico e das comorbidades, é importantíssimo que haja periódico acompanhamento da equipe multidisciplinar, orientando o paciente com diabetes sobre os ajustes em seu tratamento (reduzindo gradativamente os medicamentos após a cirurgia), a inserção de vitaminas, o retorno à prática de exercícios físicos, as mudanças nutricionais e quanto à adaptação psicológica a uma nova vida.
Consequências do diabetes tipo 2
As complicações crônicas podem ser divididas em:
Microvasculares – causadas pela lesão de pequenos vasos pela hiperglicemia crônica, entre elas:
- Retinopatia (acometimento da retina, podendo levar à cegueira)
- Nefropatia (acometimento dos rins, podendo levar à necessidade de diálise e até de transplante renal)
- Neuropatia (acometimento dos nervos cranianos e periféricos, podendo levar a amputações)
Macrovasculares – causadas por lesões de vasos maiores também pela hiperglicemia, entre elas:
- Infarto agudo do miocárdio
- Acidente vascular cerebral (derrame)
- Insuficiências arteriais (podendo levar a amputações)