Medicina

Ouvindo até debaixo da água

As tecnologias dos aparelhos auditivos e de vibração estão tão evoluídas que hoje qualquer pessoa pode voltar a ouvir, até mesmo dentro do mar

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Você é surfista, nadador, gosta de praticar mergulho, ou simplesmente adora curtir o mar e a piscina com a família e amigos. Porém, quando está praticando qualquer uma dessas atividades não consegue escutar, por exemplo, o barulhinho do mar, o bater das ondas, o ronco do motor dos barcos ou até mesmo alguém te chamando. Essa situação é muito comum em pessoas que têm problemas auditivos. Atualmente, cerca de 43% da população mundial sofre com essa perda, sendo que 17% simplesmente param de escutar. Mas aí, você leitor, que conhece alguém com este problema, se pergunta: por que quando esta pessoa está fora da água ela escuta normalmente?

A resposta é simples: porque, provavelmente, ela usa um aparelho auditivo ou uma prótese auditiva implantável que não é a prova d’água. Isso proporciona a comunicação dela em ambientes secos, mas impede que ela escute os barulhos tão agradáveis da natureza nos ambientes úmidos ou molhados.

Assim como você, somos extremamente curiosos e, por isso, fomos conversar com o cirurgião otorrinolaringologista, chefe da equipe multidisciplinar de implante coclear do Hospital Iguaçu, Dr. Maurício Buschle, para saber sobre os avanços nessa área.

E temos uma boa notícia: graças a evolução das cirurgias audiológicas e ao avanço da tecnologia empregada nos implantes e próteses, hoje já é possível ouvir em qualquer tipo de ambiente, com próteses à prova d’água. Um bom exemplo é o Carina, uma prótese auditiva totalmente implantável desenvolvida para reabilitar pacientes com perda auditiva condutiva, mista ou sensorioneural, de grau leve a severo, que tenham problemas com o uso do aparelho auditivo convencional. Dr. Maurício explica que esse é um sistema totalmente implantável por meio de uma cirurgia, ficando invisível do lado de fora, além de permitir ao paciente desempenhar atividades em todos os tipos de ambientes, inclusive submersos na água.

O Sistema Carina é composto por um processador de som digital que recebe os sons do microfone, os amplifica e os transforma em energia mecânica. “O processador é programado individualmente, conforme o problema do paciente. O microfone tem uma alta tecnologia que permite que os sons do meio ambiente sejam captados com qualidade, mesmo sob a pele, e que possibilita que os sons do corpo (como mastigação e circulação do sangue) sejam anulados e, portanto, imperceptíveis pelo paciente. Os sons transformados em sinais elétricos são enviados ao processador de som e um transdutor irá enviar a energia mecânica à orelha média, permitindo ao paciente ouvir com qualidade”, esclarece o médico.

Para carregar o Carina é preciso conectá-lo a uma bobina e esta a um carregador, que pode ser acoplado ao corpo. O processo leva meia hora e deve ser feito diariamente. “Esta prótese também é recomendada para pacientes nos quais o fator estético e as limitações de um aparelho auditivo convencional e das próteses semi-implantáveis sejam impedimentos para a reabilitação auditiva. Mas a primeira tentativa deve ser feita sempre com o aparelho auditivo convencional, as próteses implantáveis só são recomendadas se o paciente não se adaptar com o aparelho ou não obter o resultado esperado”, aponta o especialista.

 

Grandes possibilidades

O nosso ouvido é dividido em três partes: orelha externa, orelha média e orelha interna. A parte externa é formada pelo pavilhão auricular que captura as ondas de som e as direciona para dentro, onde está o canal do ouvido. O som recebido atinge o tímpano, que vibra e envia as ondas sonoras para a orelha média. Lá, as ondas de som vibram graças aos menores ossos do nosso corpo: martelo, bigorna e estribo – responsáveis por amplificar o som em até 23 vezes. Com a vibração desses ossículos articulados, o som é enviado para a terceira parte do ouvido. Na orelha interna há uma estrutura espiral chamada cóclea, que transforma o som em impulsos nervosos. Estes são transmitidos ao cérebro por meio de um nervo auditivo. Todo esse processo acontece muito rápido e simultaneamente em cada ouvido, que funciona de forma independente. Quando os ossículos perdem essa vibração é que entram as próteses auditivas implantáveis.

Outra opção que também é novidade no tratamento de perdas leves, moderadas ou severas, é o Vibrant Soundbridge. Assim como o Carina, ele é cirurgicamente implantável, porém, não é completamente invisível, nem a prova d’água. Aparelhos como esses são compostos basicamente por duas partes, uma externa, chamada “processador de áudio digital”, e outra parte interna, que é implantada em um ossículo, que transmite o sinal chamado prótese ossicular vibratória (Vibrating Ossicular Prothesis – VORP). O funcionamento geral do dispositivo baseia-se na transmissão do som pelo processador de áudio, pela pele, para o receptor interno no VORP.

“Ao contrário de aparelhos auditivos que só amplificam o som, esse sistema promove vibrações diretamente nas estruturas do ouvido médio. Essas vibrações conduzem o som para o ouvido interno e são levadas ao cérebro, onde são reconhecidas como sons. Esta ‘transmissão direta’ permite excelente qualidade de som sem bloquear o canal auditivo”, revela Dr. Maurício.

É a opção para pessoas que não podem usar aparelhos auditivos convencionais, que estão insatisfeitas com os mesmos e não alcançaram benefícios suficientes, ou para quem nasceu sem conduto auditivo. Vale ressaltar que aparelhos como o Carina e o Vibrant são utilizados para perdas de audição que não são profundas, sendo mais frequente em perdas moderadas ou severas. Dr. Buschle alerta também que os resultados das cirurgias das duas próteses dependem de uma série de fatores: da mão do cirurgião, da cicatrização, entre outros.

Implante de BAHA

Diferente do sistema do Carina e do Vibrant, o implante de BAHA (dispositivo auditivo ancorado no osso), pode ser a opção ideal para casos em que a função do ouvido médio está bloqueada, danificada ou obstruída, pois ele ultrapassa completamente o ouvido médio. Ao contrário dos aparelhos comuns, o som é enviado ao redor da área problemática ou danificada, estimulando naturalmente a cóclea através da condução óssea. Uma vez que a cóclea recebe essas vibrações sonoras, o órgão “ouve” da mesma maneira como ouviria através da condução aérea; o som é convertido em sinais neurais e é transferido ao cérebro, permitindo que o implantado perceba o som.

A técnica consiste no implante de um pino de titânio de 3 a 4 mm dentro do osso do crânio. Por fora, é encaixado o processador de som BAHA, que realiza uma vibração imperceptível e conduz o som, através do osso, até a cóclea. A colocação do aparelho é realizada depois de um período médio de três meses, tempo necessário para a integração do pino dentro do osso.

Quem comemora os inúmeros benefícios desse implante é a gerente de filial, Cátia Daniela Hinsching, de 37 anos, que já nasceu com deficiência auditiva. “Meu problema está na condução do som, pois não tenho os ossículos. Usei durante 15 anos aparelhos que não eram totalmente adequados ao meu problema e só no ano passado conheci o BAHA. Hoje, minha vida está melhor em tudo. O aparelho é adaptado exatamente para o meu estilo de vida, a qualidade do som é ótima, escuto até quando alguém está se aproximando de mim, barulho que antes era impossível ouvir”, conta Cátia.

Ela revela que a recuperação após o implante exigiu alguns cuidados, mas em duas semanas já estava acostumada ao novo aparelho. “As pessoas deveriam correr atrás de todas as possibilidades até achar o tratamento ideal para o seu problema, pois é possível e tudo é adaptável. Elas não têm que ter vergonha de usar, pois é muito melhor poder escutar”, acredita Cátia.

O BAHA é um tratamento com resultado 100% positivo e imediato. “Porém, não serve para perdas sensorioneural, apenas para perdas de condução do som. O Vibrant e o Carina servem para os dois casos”, alerta Dr. Maurício.
As três próteses auditivas são para perdas leves, moderadas e severas. Já nos casos de perda profunda, a audição pode ser recuperada com o implante coclear, um dispositivo que estimula eletricamente as fibras nervosas remanescentes, permitindo a transmissão do sinal para o nervo auditivo, a fim de ser decodificado pelo córtex cerebral. “O aparelho, implantado na cabeça do paciente, capta o som ambiente, codifica em sinais elétricos e passa para os nervos auditivos, possibilitando a uma pessoa surda a capacidade de ouvir”, conta Dr. Maurício.

“Realmente temos muitas opções para recuperar a capacidade de ouvir. Claro que é necessária muita dedicação do paciente durante o processo de adaptação, mas hoje não existe perda de audição que não tenha correção”, orgulha-se o médico.

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