Como tratar as lesões do esporte
Avanços da artroscopia permitem que atletas de alta performance e praticantes de atividade física não comprometam seu rendimento devido a traumas esportivos
Atividade física é um requisito básico para quem busca saúde. Porém, embora saudável, a prática de esportes implica uma maior exposição a lesões, principalmente no joelho e ombro, como ocorre com frequência no futebol e em outras modalidades de contato. No caso dos joelhos, essa articulação é afetada nas mais variadas atividades esportivas, especialmente nas de alto impacto.
O trauma mais comum do joelho, que pode ocasionar a lesão do ligamento cruzado anterior (LCA), é o trauma torsional da articulação, em geral quando o pé fica fixo no chão e o joelho faz um movimento rotacional, o que ocorre, de modo frequente, durante uma atividade física, principalmente as de contato, como futebol, basquete, rúgbi e demais. “O tratamento é na maioria das vezes cirúrgico e deve ser realizado no momento correto, que normalmente deve acontecer nos primeiros seis meses após a lesão, isso para se evitar a lesão dos meniscos e até mesmo uma degeneração precoce (artrose) no futuro”, adverte o médico ortopedista Dr. Bernardo Ferreira da Luz, que realiza artroscopia do joelho, é especialista em Traumatologia Esportiva, com Fellowship em Cirurgia do Esporte no Centre Orthopédique Santy (Lyon/França) e faz parte da equipe do Paraná Futebol Clube e da equipe de rúgbi do Curitiba Rugby.
A maior novidade no tratamento de LCA são os estudos sobre um ligamento externo do joelho que atua auxiliando o ligamento cruzado anterior a fazer a estabilização da articulação. Motivo de discussão no meio médico nos últimos cinco anos, já se trabalha com a hipótese de que existe a necessidade, em alguns casos específicos, da reconstrução desse novo ligamento, chamado anterolateral, principalmente em atletas de alta performance.
Diagnóstico e tratamento do LCA
Após as primeiras semanas do trauma, quando o derrame do joelho diminui, o exame físico se torna mais confiável. “Atualmente, o exame da ressonância magnética nos permite confirmar o diagnóstico e ao mesmo tempo verificar se há qualquer lesão associada, tal como lesão de meniscos ou lesão da cartilagem”, explica o ortopedista. O ligamento cruzado anterior possui baixa capacidade de cicatrização, e a sensação de frouxidão no joelho será recorrente, podendo aumentar com o passar do tempo. Com isso, a prática dos esportes de alta mobilidade se torna impossível, ou poderá ocorrer novos episódios de entorse do joelho acarretando lesões de meniscos ou de cartilagem.
“O tratamento para o LCA é a cirurgia por artroscopia, uma técnica minimamente invasiva, através do uso de uma câmera, que permite visualizar a articulação e, ao mesmo tempo, realizar o tratamento, trazendo menor dano ao joelho. Se presente, as lesões dos meniscos são tratadas na mesma cirurgia. Com isso o processo de recuperação é muito mais rápido”, explica Dr. Bernardo, que responde pelo serviço do Grupo Ortop Curitiba.
Para a reconstrução do ligamento cruzado anterior, o cirurgião necessita de um tecido que funcionará como enxerto, para isso ele escolhe entre os três mais utilizados mundialmente: enxerto dos tendões flexores do joelho, do tendão patelar (parte central) ou do tendão quadriciptal (parte medial). “A escolha depende de algumas variáveis que são levantadas caso a caso, com resultados semelhantes em qualquer uma delas”, acentua Dr. Bernardo.
Foi o que aconteceu com a estudante Ketelyn Caroline Alves, 20 anos, que é jogadora de rúgbi. No fim de 2015, a paciente rompeu o LCA durante uma partida, mas deixou a dor passar e continuou treinando. Logo teve nova lesão, mas, por conta e risco próprios, decidiu por continuar treinando para terminar a temporada de competições. “Só resolvi meu problema com a cirurgia, e essa espera quase comprometeu meus meniscos. Além de operar o LCA, também operei o ligamento anterolateral, um reforço para continuar jogando. Estou bastante confiante, pois todos os testes têm sido satisfatórios e logo estarei liberada para jogar com tudo!”, comemora.
Um estudo inédito publicado neste ano pela equipe da Clínica Santy de Lyon, na França, apresentou que a reconstrução do ligamento anterolateral do joelho, associado à reconstrução do ligamento cruzado anterior, apresenta menor chance de nova ruptura do que a reconstrução isolada do LCA, em pacientes jovens e ativos. Além disso, os pacientes que foram submetidos à reconstrução dos dois ligamentos retornaram ao esporte de alta competitividade em maior número que os demais. “Ou seja, já existem dados consistentes sobre a necessidade de avaliação quanto à reconstrução do ligamento anterolateral em pacientes de alta demanda”, evidencia Dr. Bernardo.
Quando a lesão acomete o ombro
Já a articulação do ombro é a mais móvel do corpo humano e permite movimento muito amplo. Para manter essa harmonia, é fundamental a integração de ligamentos, cápsula articular, osso, cartilagem e músculos. “Justamente por ter grande capacidade de movimentação, o ombro pode ‘desencaixar’ mais facilmente que outras articulações, e isso, inclusive, é muito comum em esportistas bem jovens”, explica o médico ortopedista Dr. Vagner Messias Fruehling, da Ortop, que atua com especificidade na área de ombro e cotovelo e realizou Fellowship no Hospital La Paz e Fundación Jimenez Díaz, Madri/Espanha.
O advogado Alfredo Borges Moreno, 37 anos, teve a primeira luxação de ombro aos 17 anos, jogando futebol como goleiro. Depois disso, chegou a ter dezenas de luxações e aprendeu a colocar sozinho a articulação no lugar. “Com isso, comecei a sentir dor no bíceps e, para não comprometer o músculo, fui direto para a cirurgia, que foi tranquila e não senti nenhuma dor no pós-operatório, o que resolveu meu problema e me permitiu voltar ao esporte”, acentua o advogado, que também pratica tênis.
A maior instabilidade no movimento amplo do ombro resulta em deslocamento, ou seja, as duas partes da articulação perdem o contato entre si. Geralmente, isso faz com que o paciente procure atendimento médico para que a articulação retorne à sua posição normal. As subluxações e luxações no ombro são, em grande maioria, resultado de trauma ocorrido em esportes. Os ligamentos do ombro, junto com o tecido cartilaginoso, ao redor da articulação, rompem-se e raramente cicatrizam sozinhos mesmo utilizando uma imobilização. Essa falta de cicatrização espontânea explica a frequência de novas luxações, podendo acontecer inclusive dormindo ou com mínimos movimentos. “Quanto mais jovem é o paciente, maior a possibilidade de uma nova luxação (quase 100% dos casos)”, acrescenta o especialista.
Algumas modalidades esportivas facilitam para que o osso desloque com frequência (luxação recorrente), principalmente as que exigem braço elevado ou que tenha contato pessoal. “Quando há luxação recorrente, as lesões podem aumentar, podendo fazer lesão óssea e da cartilagem articular, trazendo consequências que limitam a função do ombro. Por isso a necessidade do tratamento cirúrgico nesses casos, para que novas luxações não ocorram”, alerta Dr. Vagner.
Tratamento das luxações no ombro
Geralmente, o tratamento varia de acordo com a idade, grau de lesão e atividade que o paciente faz. Um alerta é o aparecimento e, principalmente, a persistência da dor. Sempre que tiver dor o paciente deve procurar por avaliação médica. No primeiro episódio da luxação, o tratamento com tipoia é indicado durante duas a três semanas. Porém, a reabilitação é gradativa até o paciente recuperar a amplitude de movimento e força. “Vale lembrar que se o paciente tem indicação para a cirurgia, o ideal é que ele faça o quanto antes”, recomenda o cirurgião.
Como as lesões após a luxação dificilmente se regeneram e algumas aumentam após cada luxação, a maioria dos pacientes é jovem e com maior grau de atividade, a cirurgia para restauração da anatomia é a melhor indicação. “O tratamento cirúrgico pode ser feito por artroscopia (cirurgia com câmera e minimamente invasiva) ou cirurgia convencional (aberta), dependendo de cada caso, ambas com ótimos resultados”, salienta o médico. “No dia seguinte ao procedimento, para facilitar a reabilitação, o paciente já inicia o trabalho de fisioterapia e tira a tipoia definitivamente somente 40-45 dias depois”, completa o especialista.
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