Bem Estar

Na trilha da satisfação e do equilíbrio

Sempre é tempo para adotar novos hábitos, dar uma guinada na carreira ou correr atrás de um sonho

Passamos cerca de 45% da vida em rotina. O dado apresentado pela consultora britânica Diana DeLonzor no livro Never Be Late Again: 7 Cures For The Punctually Challenged, sem edição no Brasil; em tradução livre, “Nunca mais chegue atrasado: 7 curas para quem não consegue ser pontual”, mostra como somos condicionados aos padrões e que nem sempre seguir o que está estabelecido é natural.

Para o sociólogo italiano Domenico De Masi, criador do conceito de ócio criativo, com o avanço tecnológico, os trabalhadores teriam mais tempo para a vida pessoal, revitalizariam seus relacionamentos com a família, com o bairro, com a cultura e alimentariam a própria criatividade. Infelizmente, continuamos como operários de uma linha de montagem do século 18, com horário para acordar, chegar ao trabalho, comer, dormir.

Recentemente, Richard Branson, fundador do Grupo Virgin e um dos homens mais ricos do mundo, segundo a revista Forbes, anunciou que 170 funcionários de sua equipe pessoal vão poder tirar folga como e quando quiserem. “Devemos nos concentrar no que as pessoas fazem e não em quantas horas ou dias elas trabalham”, argumenta. É uma aposta. E uma tendência. “A ideia de que todos precisam trabalhar freneticamente para atender às necessidades pessoais não é verdade”, afirma o diretor executivo do Google, Larry Page.

Fato é que não existe fórmula para ser feliz. Mesmo que você não seja empregado de uma das empresas do Vale do Silício, há de se arranjar tempo e espaço para um reencontro consigo mesmo.

Período sabático

Eu, Fernanda Rocha, estava com saudade de mim! E se o homem nada mais é do que aquilo que faz de si mesmo, como definiu o filósofo francês Jean-Paul Sartre, tinha o motivo perfeito para mudar em busca de equilíbrio. Depois de mais de 20 anos de jornalismo no rádio e na tevê, decidi parar para estudar gastronomia.

Mas não abandonei as notícias. Ainda… Gosto muito das que são boas! Por isso, passo a publicar sobre estilo de vida e bem-estar na Revista Corpore. Será uma colagem de experiências de gente contente por fazer o que gosta. Aproveite e se inspire!

O ex-fuzileiro que virou chef

Vem da cozinha a primeira história desta edição. Um colega do curso de panificação e confeitaria me perguntou se poderia indicar a ele um escritor, ghost-writer, para registrar sua biografia.

Quando saiu de Ponta Grossa, aos 7 anos, Emerson Valentin não imaginava o que viria pela frente. Formou-se guarda-mirim e, aos 13, já trabalhava na portaria de uma multinacional na Cidade Industrial de Curitiba. Ainda adolescente, foi contratado como metalúrgico pela empresa e comunicou à mãe que iria morar sozinho. Assim que completou a maioridade, fez o passaporte e seguiu para São Francisco, na Califórnia, com desejo de ganhar o mundo.

Exausto da viagem e sem falar inglês, viu um terço dos 1.500 dólares que tinha no bolso desaparecer na primeira diária de hotel. Instalou-se numa pensão no subúrbio, comprou um fogãozinho elétrico, ovos, salsicha, pão e saiu à procura de emprego.

De cumim em um bar de striptease, passou a garçom, auxiliar de cozinha e a recepcionista de hotel. Realidade dura de imigrante ilegal que sonha em fazer a vida no exterior. Um amigo norte-americano apresentou a solução ao jovem latino que suava para pagar moradia, queria ter o green card e voltar a estudar: Emerson se alistou na Marinha dos Estados Unidos, que aceitava estrangeiros na época, e começou a faculdade de Engenharia Civil em San Diego. Tinha, então, 21 anos.

A primeira missão como fuzileiro naval foi no Iraque, no final da década de 90. Presenciou os horrores da guerra, mas o tiro que lhe atravessou o tórax não veio em conflito. A bala expansiva saiu à queima-roupa da arma de um adolescente, enquanto os militares entretinham um grupo de crianças locais. Emerson, que ainda era cadete, estava distribuindo chocolates. Acordou 40 dias depois em um hospital militar, em Berlim, na Alemanha.

Nos anos seguintes, esteve em missões de pacificação sob a bandeira da Organização das Nações Unidas (ONU) na África. Os confrontos entre facções tribais na Somália, em Ruanda e no Burundi, agravados pela miséria extrema, esculpiram uma grande descrença no peito reconstituído pelos médicos. “Em todos os lugares por onde passei, vi as pessoas lutando pela sobrevivência”, lembra. Assim, o pedido para ficar na reserva como primeiro-sargento foi entregue ao comando depois de seis anos de serviços prestados.

Hora de mudar com a mulher e o filho para São José, na Califórnia, e aplicar a engenharia na vida civil. Emerson montou lavanderias em todos os 50 estados dos Estados Unidos. Construiu um bom patrimônio, mas pagou o preço. “Eu perdi a essência, era só trabalho e dinheiro”, confessa. O casamento terminou mais ou menos nessa época.

A próxima conquista era o México. O ex-guarda-mirim, reservista da Marinha dos EUA e empreiteiro viu a possibilidade de negócio na fronteira. Aceitou uma proposta de sociedade e virou também dono de casa noturna em Tijuana. Em meia década, montou três empreendimentos.

O sucesso se transformou em pesadelo quando o governo mexicano apertou o cerco aos cartéis e os traficantes passaram a sequestrar empresários. O sócio de Emerson foi encontrado morto, apesar de o resgate ter sido pago. “Foi uma época de tensão. Não podia confiar em ninguém”. No mesmo ano de 2007, Emerson seria protagonista do sequestro mais longo registrado naquele país.

Foram sete meses vendado, algemado e acorrentado a outras vítimas. Dormia no chão. Apenas água e tortilhas para comer. Apanhou, levou choques e presenciou todo tipo de violência nos cativeiros para onde foi levado. “Eu vi a morte de perto várias vezes”. O resto era silêncio. Um milhão e meio de dólares entregues ao cartel que dominava a região não garantiram sua libertação, e a angústia se arrastou por 210 dias.

A alegria de deixar o cárcere foi infinitamente maior do que a dor nos olhos muito azuis quando voltou a enxergar a luz. Emerson pegou o táxi, como mandaram os criminosos, e nunca mais voltou ao México. Magro e bastante debilitado, foi recepcionado pelo FBI assim que entrou nos Estados Unidos. Foram 30 horas de depoimentos antes do primeiro telefonema para o Brasil. “Mãe, eu ‘tô’ vivo!”, gritou emocionado.

Enquanto faço anotações, Emerson me diz: “Você não consegue nenhuma mudança se não quiser mudar de verdade”. Voltar ao Brasil seria a chance de ele se reencontrar. “Eu vou viver e vou ser feliz!” Transcrevo a frase que acabei de ouvir para a cadernetinha.

Emerson escolheu Morretes para montar a chácara que tanto imaginou enquanto esteve sequestrado, um exercício mental para manter a sanidade diante das privações sofridas naquele período. Num fim de ano, vestido de Papai Noel, distribuindo presentes para crianças do litoral, ele se descobriu. “A partir desse momento, eu compreendi que a gente pode ser feliz com muito pouco”. Emerson trancou a matrícula no curso de Biologia e decidiu estudar Gastronomia depois dos 40. A paixão virou profissão.

Em Curitiba, abriu restaurante e teve padaria. Vendeu. Como empresário do ramo de metalurgia, produz hoje equipamentos para cozinhas industriais, o que o permite estar sempre no lugar que mais gosta. “Faça exatamente aquilo que te faz sorrir”, ele repete para que eu escreva.

Há cerca de um ano, Emerson criou um projeto, Cozinheiros do Brasil, que reúne chefs de várias partes do país e também da América do Sul para realizar trabalhos voluntários. As comemorações do primeiro aniversário começaram em Trancoso, na Bahia, com um curso de culinária para jovens Down e portadores de outras deficiências. “A felicidade chega pra você sem você esperar”, arremata.

Fecho a caderneta. Estou convencida. Com licença, vou tirar meu bolo do forno!

A executiva surfista

Head global de comunicação corporativa e gestão de marca da Votorantim Cimentos, Malu Weber, de 45 anos, reagiu a uma provocação do filho adolescente e encarou as ondas. Além de recuperar a boa forma e se divertir em família, ela aplica ensinamentos do esporte ao liderar a equipe de trabalho. Curitibana radicada em São Paulo, a executiva surfista treina forte para a temporada.

1. Quais benefícios o esporte trouxe para sua saúde?

O surfe me trouxe de volta a energia, o bem-estar e a boa forma física. Mais que isso: trouxe serenidade, coragem e confiança para enfrentar o desconhecido. Voltei a me sentir bem, por dentro e por fora.

2. Que lições o surfe trouxe para sua atividade profissional?

Estar aberta a novos desafios, coragem para enfrentar o novo, determinação para superar obstáculos, humildade para aprender sempre. Como líder, senti na pele o quanto um ambiente acolhedor e motivação fazem a gente ir mais longe. Aprendi que os erros devem ser corrigidos e os avanços, por menores que sejam, precisam ser reconhecidos e celebrados. E o mais importante: o medo faz mal, pois ele bloqueia! O maior inimigo interno é o pavor – e, no mar, pode significar a morte.

3. Como os amigos, a família e os colegas reagem ao saber que a executiva se dedica a um esporte radical?

Quando comecei a surfar, escrevi um artigo falando sobre a importância da motivação e recebi muitos feedbacks de pessoas que, ao lerem o texto, ficaram muito animadas, deixaram o preconceito de lado e começaram a fazer algum esporte que não imaginavam que conseguiriam. Inspirar as pessoas com exemplos de superação é muito gratificante. No mundo empresarial também tem um grande significado e pode ser interpretado como reflexo de uma pessoa de coragem, aberta ao novo e determinada.

4.Qual a maior onda que já venceu?

A primeira onda lá fora, no “fundão”. Fiquei de pé, literalmente, na crista da onda, olhei lá para baixo e parecia que ia despencar… foi uma sensação maravilhosa de vitória, de conquista por ter enfrentado o medo, a insegurança e todos os preconceitos internos de que seria impossível para uma mãe de 42 anos começar um esporte mais radical. O melhor presente foi ter ouvido meu filho gritando atrás: “Caracas! Olhem lá, minha mãe está ‘dropando’, pegou a onda!” O abraço que ganhei quando saímos do mar foi inesquecível. O mico da mãe idosa, gorda e incapaz acabou se tornando orgulho. Entrar com ele no mar hoje tem um significado muito especial. É meu grande parceiro – e cuida de mim. Acho que para ele também foi uma lição de coragem, determinação e disciplina – a teoria que tanto falo em casa sendo colocada em prática de forma tão intensa! Como diria meu filho: “Irado, ‘veio’!”

Fernanda Rocha é jornalista profissional, diplomada com experiência em rádio, tevê, assessoria de imprensa e campanhas políticas. Atua também como mestre de cerimônias em eventos. Atualmente, cursa Pâtisserie & Boulangerie no Centro Europeu.

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